Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sindicatos não assumem riscos de assessores

Depois dos meus artigos publicados aqui no OI [ver remissão abaixo] alertando que assessoria de imprensa não é função jornalística, passei a desafiar os que insistem em sustentar o contrário em debates em vários sites na internet, Comunique-se e Orkut entre eles, a conseguirem um documento dos sindicatos de jornalistas e faculdades de jornalismo em que essas instituições se comprometam a pagar as multas que seus associados e diplomados tomarem dos Conselhos Regionais de Relações Públicas por invadirem o mercado de trabalho deles. Afinal, jornalistas que se aventuraram a criar empresas de assessoria de imprensa já tomaram multas de cerca de R$ 15 mil. Ninguém até agora conseguiu um compromisso assinado com quaisquer dessas instituições que faturam alto incentivando diplomados em Jornalismo a trabalhar na área dos relações-públicas.

A celeuma, por conta do meu desafio, chegou a se difundir no 4º Encontro de Jornalistas em Assessoria de Comunicação e certamente repercutirá este mês, entre os dias 22 e 25, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, onde se realizará o evento nacional dos jornalistas que insistem em permanecer ilegalmente nessa categoria. As lideranças sindicais acenam agora com o projeto reapresentado de criação da Ordem dos Jornalistas do Brasil, no qual o deputado Celso Russomanno arrolou os assessores de imprensa como jornalistas. Mas se nem mesmo com apoio do governo conseguiram emplacar a criação do Conselho Federal dos Jornalistas, que tinha o mesmo objetivo, esse esforço isolado parlamentar servirá apenas como mais um engodo para garantir a contribuição sindical dos assessores que ainda confiam nas instituições sindicais dos jornalistas. Assumir o compromisso de pagar as multas está fora de questão para eles.

Projetos do gênero sempre esbarraram na premissa constitucional de que o governo não pode interferir no exercício do jornalismo, ficando garantida a liberdade de expressão no Brasil. Para se eximir de responsabilidades futuras, os líderes sindicais dos jornalistas incluíram nesse encontro preliminar estadual, realizado no dia 4, uma palestra de Mario Carlos Silva Lopes, presidente do Conselho Regional de Relações Públicas do Rio de Janeiro. O encontro nacional também contará com um representante dos RPs entre os conferencistas. Assim ninguém poderá negar futuramente desconhecer que assessoria de imprensa é uma das tarefas exclusivas, aqui no Brasil como no resto do mundo civilizado, dos profissionais diplomados em Relações Públicas.

Choques

Só para reforçar que isto está bem claro na legislação brasileira em vigor, repito aqui, mais uma vez, a decisão do TST em que consta que assessoria de imprensa não está na descrição das atividades de jornalistas previstas no Artigo 302 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no Decreto 972/69. Essa decisão consta do Acórdão 261.412, de 22/4/98, publicada no Diário de Justiça de 15/5/98, na página 451, e está disponível no portal do TST. Aprovada por unanimidade pela Terceira Turma do Tribunal, transcrita literalmente, a emenda estabelece:

‘Assessor de imprensa não exerce atividades típicas de jornalismo, pois o desempenho dessa função não compreende a busca de informações para redação de notícias e artigos, organização, orientação e direção de trabalhos jornalísticos, conforme disciplinado no artigo 302, parágrafo primeiro, da CLT, Decreto-Lei 972/69 e Decreto 83.284/79. Atua como simples divulgador de noticias e mero repassador de informações aos jornalistas, servindo apenas de intermediário entre o seu empregador e a imprensa’.

Márcio Ferreira, jornalista que atua em assessoria de imprensa e é professor dessa cadeira do Curso de Comunicação da Universidade Veiga de Almeida, no Rio de janeiro, saiu do encontro convencido, enfim, de que o risco para os jornalistas-assessores existe. Mas teima em alegar que os RPs não têm apoio legal para aplicar multas, discordando dos ministros do TST que examinaram as leis e as nomearam claramente ao decidir sobre o assunto. Ele se recusa, também, a fazer a recomendação correta, a de que seus estudantes troquem de curso. ‘O que eu vou falar a meus alunos de jornalismo que se empolgam com a possibilidade de trabalhar em assessoria de comunicação com o estrangulamento do mercado? Troquem de curso e vão fazer Relações Públicas?’

Estudantes de Jornalismo empolgados com a possibilidade de trabalhar em assessoria de comunicação? Por que, então, não vão estudar Relações Públicas, uma opção oferecida em muitas universidades e, em muitos casos, com acesso bem mais fácil do que aos cursos de Jornalismo? Os que continuam iludidos por professores e sindicalistas deveriam tomar conhecimento das resoluções que os RPs tomaram com base nessas leis. É só clicar aqui para constatar.

Mas, antes de tudo, deveriam atentar para os conflitos éticos existentes entre o exercício do jornalismo e o da assessoria de imprensa, choques funcionais tão evidentes para o resto do mundo civilizado que todos os códigos de ética de jornalistas de países democráticos impedem seus filiados de trabalhar nessa área. Mas como, aparentemente, a ética brasileira é bastante diferente da válida em nações mais desenvolvidas, o artigo proibindo jornalistas de exercerem assessoria de imprensa foi suprimido aqui no período da ditadura militar e nunca mais foi readmitido. Até mesmo o decreto da Junta Militar, quando três oficiais assumiram provisoriamente a presidência do Brasil, continua em vigor permitindo que o governo federal e suas autarquias contratem diplomados em Jornalismo para trabalhar em suas assessorias de imprensa.

Hoje, cálculo não oficial dos próprios sindicatos, mais de 20 mil jornalistas ocupam vagas de relações-públicas em todos os níveis da administração estatal. Por baixo, consomem o equivalente ao orçamento de um Fome Zero por ano para divulgar apenas o que de positivo é feito pelos políticos que os contratam. Administradores da coisa pública que não podem, em tese, se beneficiar de um carro oficial em benefício próprio, mas contam com milhares de jornalistas para divulgarem seus feitos e esconderem seus defeitos.

Invasão

Assim como até mesmo professores da cadeira de Assessoria de Imprensa em cursos de Jornalismo alegam desconhecer a lei para defender a manutenção dessa situação e se eximirem de recomendar aos alunos que troquem de área, a opinião pública brasileira desconhece a manutenção de uma confusão funcional que favorece a corrupção e prejudica a transparência das administrações públicas. Porque jornalistas, certamente, dão mais credibilidade ao jogo de esconde-esconde peculiar dos relações-públicas, por isso os militares os preferiam como assessores de imprensa.

Nesse meio tempo, cursos de Relações Públicas foram fechados e milhares de profissionais diplomados nessa área permanecem sem emprego no setor em que se habilitaram. Pior do que isso, milhares de legítimos jornalistas foram defenestrados nas redações para dar lugar a assessores de imprensa que, contando com o respaldo de seus empregadores, grandes anunciantes, merecem a confiança do patronato. Pior ainda, muitos jornalistas acumulam cargos em assessorias de imprensa com outros nas redações, relevando os interesses dos consumidores de informações para favorecer os de seus clientes.

Felizmente, os conselhos de relações públicas começam a tomar providências para corrigir essa situação absurda. Como os assessores de imprensa, protegidos e organizados sob a tutela do imenso guarda-chuva de governos, partidos e grandes corporações empresariais, conseguiram dominar todos os sindicatos de jornalistas e a própria federação da classe, essas entidades passaram a se preocupar mais em legitimar a invasão do mercado de assessoria de imprensa por seus associados do que em lutar pela liberdade de expressão e direitos dos jornalistas nas redações. Entre os países democráticos, o Brasil é dos poucos que ainda não contam com comitês de redação para ressalvar os direitos de seu quadro profissional e garantir a liberdade de imprensa. É como se os sindicatos de advogados se preocupassem unicamente em lutar pelos diplomados que não conseguem passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

Desafio

Se não há mercado suficiente para absorver o grande número de diplomados em Jornalismo, a maioria deles por faculdades de esquina incapazes de fornecer a menor base para sobrevivência num meio competitivo e desgastante, o destino dos desclassificados pela competição é um problema pessoal. Assim é, nos regimes democráticos, em todas as categorias profissionais. Quem não tiver competência que não se estabeleça. Lutar por empregos públicos para profissionais de uma categoria essencialmente privada e liberal é um contra-senso só existente nesse Brasil ainda cartorial.

Vamos esperar, agora, que o tema seja exaustivamente debatido no encontro nacional dos assessores de imprensa a se realizar no Rio de Janeiro. Como não sou assessor de imprensa e nem fui convidado, não poderei comparecer. Mas espero que meu desafio seja mais uma vez colocado lá.

Se os sindicatos estão seriamente comprometidos com os jornalistas que trabalham em assessoria de imprensa e desejam mantê-los como associados devem assinar um documento oficial, registrado em cartório, comprometendo-se a pagar todas as multas que os diplomados venham a tomar por invadir o mercado dos relações-públicas. Nas faculdades, antes de pagar pelas cadeiras extras de Assessoria de Imprensa, os estudantes devem tomar a mesma precaução: exigir da diretoria documento em que a instituição assuma a responsabilidade pelo pagamento dessas multas.

Sei não, mas acho que muita gente vai comer a língua diante desse desafio.

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Jornalista