Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Sob o comando do marketing





O programa Observatório da Imprensa
exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (5/10) discutiu a cobertura das
eleições de 2010 pela mídia. Faltando pouco mais de vinte dias para a realização
do segundo turno, o programa abordou temas como o papel da televisão e dos
debates entre os candidatos na decisão do eleitor; o a importância do marketing
político nas campanhas; o peso que a internet, sobretudo as chamadas redes
sociais, alcançaram no pleito; a cobertura da imprensa sobre a disputa pelos
cargos do Poder Legislativo; a necessidade de os jornais


declararem apoio a um
candidato; e a indefinição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade da
Lei da Ficha Limpa para as eleições em curso.

Para debater esses temas, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro
o cientista social Eurico Figueiredo e o jornalista Ancelmo Gois.
Figueiredo é professor-titular da pós-graduação em Ciência Política e
Coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense
(NEST-UFF). Ancelmo Gois tem mais de 30 anos de carreira, é o titular da coluna
que leva o seu nome em O Globo, republicada em diversos jornais do país,
e um dos apresentadores do programa De Lá Para Cá, da TV Brasil. Em São
Paulo, a convidada foi Eliane Cantanhêde, colunista da Folha de S. Paulo.
Eliane dirigiu as sucursais de Brasília de O Globo e da Gazeta
Mercantil
e foi colunista de O Estado de S.Paulo. Marco Aurélio
Nogueira, cientista social, participou por São Paulo. Professor-titular de
Teoria Política da Universidade Estadual Paulista (UNESP), é colaborador de O
Estado de S.Paulo.


Em editorial, Dines avaliou que o debate sobre o desempenho da imprensa foi
‘extemporâneo, deslocado e acabou por produzir o esvaziamento do confronto de
ideias sobre questões vitais para a sociedade brasileira’ [ver íntegra
abaixo
]. Para Dines, a mídia e os candidatos ‘deixaram-se levar’ pelo
marketing político. O jornalista criticou o impasse do Supremo Tribunal Federal
(STF) sobre a Lei da Ficha Limpa. Mesmo após a realização do primeiro turno,
ainda não se sabe o destino de centenas de candidaturas.


Transparência da mídia


A reportagem exibida no programa entrevistou o cientista político Marcus
Figueiredo, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Para o professor, as
mídias alternativas tiveram um papel ‘acanhado’ nas eleições porque este é um
fenômeno é novo e ainda reproduz, em parte, o formato da televisão. ‘As mídias
sociais, os portais vinculados a grupos apenas para trocas de mensagens e
opiniões ou atuantes no processo eleitoral, ficaram restritos a um número
pequeno de eleitores na sociedade’, disse. Figueiredo avalia que o Brasil ainda
está ‘caminhando’ em relação à liberdade de imprensa. ‘Não temos ainda um
processo de cobertura eleitoral como vemos nos Estados Unidos ou na Europa, onde
as emissoras de televisão são claras ao declarar a preferência política e a
preferência entre candidatos’, criticou.


O jornalista José Roberto de Toledo, colunista e blogueiro de O Estado de
S. Paulo
, avaliou a influência das pesquisas no cenário das eleições. ‘Os
candidatos e as equipes de marketing ficaram escravos das pesquisas qualitativas
que dizem aquilo de que supostamente o eleitor gosta ou não gosta. Só que eles
esquecem que essas pesquisas não são propositivas, elas são reativas. Você não
pode esperar que ela vá dar o rumo da campanha. Se o candidato não tiver o seu
próprio rumo, não souber qual é a sua estratégia e o que ele precisa ir para
cima do adversário, para tirar os votos dele, ele vai ficar absoltamente
homogeneizado, todos vão ficar iguais, falando a mesma coisa. E aí o debate tem
um efeito neutro. As pesquisas influenciam o eleitor na medida em que é uma
informação a mais que ele tem para decidir o seu voto’, disse.


No debate ao vivo, Dines perguntou a Eurico Figueiredo se houve um
‘engessamento’ do processo eleitoral pelos marqueteiros e pelas pesquisas de
opinião. Para o cientista social, a ‘agenda negativa’ é explorada de forma
exagerada no Brasil. Quando se compara o país de hoje com o de duas ou quatro
décadas passadas, houve um significativo avanço da pluralidade e da liberdade.
Figueiredo destacou que, por mais que se tenha discutido ao longo da campanha a
questão da opinião pública, observou-se que nem o presidente nem a mídia foram
capazes de impor a sua vontade ao eleitorado.


Voto independente


‘Não há partido único no Brasil, não há ‘chavismo’ no Brasil. Essa idéia de
que a liderança do [presidente] Lula no Brasil é um ‘chavismo’ mostrou-se
completamente falsa. Basta apenas se ver a composição dos governadores, do
Senado, das Câmaras dos deputados federais e estaduais’, afirmou Eurico
Figueiredo. Este aspecto, na sua avaliação, deveria ser realçado perante a
opinião pública e onde outros atores se manifestam. O fato de a candidata Marina
Silva ter alcançado 20% dos votos, segundo ele, demonstra que o eleitor escolheu
com liberdade ao longo do processo eleitoral, livre da opinião do presidente
Lula e da influência da mídia, que ‘possivelmente não queria a Dilma’. ‘Isto
mostra mais uma vez a capacidade do povo brasileiro de julgar por si mesmo’,
disse.


Marco Aurélio Nogueira vê a influência das pesquisas e dos marqueteiros como
inevitável, mas destacou que isso deve ser tratado com ‘uma boa dose de
observação crítica’ porque atrofia o processo democrático, vital para o
amadurecimento do país. A sociedade, na sua opinião, enfrenta problemas de
afirmação no terreno político. ‘Nossos partidos estão com dificuldade de se
colocar como agências formadoras de opinião, para selecionar adequadamente seus
líderes, e estão com mais dificuldade ainda de obter um reconhecimento político
expressivo por parte da sociedade’, disse. Como os quadros políticos passam por
este desconforto, os meios de comunicação e os esquemas de marketing ganham uma
importância desproporcional no processo político, sobretudo nos processos
eleitorais. Estes ficam ‘aprisionados em camisas de força’ por foca da adoção de
determinados esquemas de comunicação e de formatação das campanhas.


‘Nós não devemos reagir negativamente quando a imprensa assume posições
políticas porque, bem ou mal, a imprensa é um ator político na sociedade. Isto
não pode ser feito em detrimento da isenção, da objetividade que ela, a
imprensa, deve dar ao tratamento dos fatos. Isso, de certa maneira, é um início
de caminho que nós estamos começando a trilhar agora no Brasil. E,
provavelmente, como todo início do caminho, muitos excessos e erros de
comportamento e de discurso serão cometidos tanto pela imprensa quanto pelas
reações que a atitude dela desencadeia no processo político’, sublinhou
Nogueira. Para ele, o eleitorado brasileiro não tem ‘nenhum tipo de dono’. Age
de forma independente das orientações partidárias e é ‘oscilante’ na formatação
das suas decisões.


Dines perguntou à jornalista Eliane Cantanhêde como o leitor se comportou em
relação à cobertura da imprensa. ‘Nós tivemos um processo político que andou
para o centro’, avaliou. Para ela, não havia candidatos à direita nestas
eleições. ‘O processo todo levou a uma unificação de discursos. Quando os
marqueteiros, as pesquisas e a própria imprensa identificam vontades e
interesses no eleitorado, os interesses estão muito parecidos. Houve uma
massificação do discurso e dos perfis’, avaliou. A jornalista explicou que ‘o
que chega pela internet’ não é um reflexo do leitorado e do eleitorado
brasileiro. É parte de uma militância ‘paga e dissimulada’. ‘Eu acredito mais
nas cartas, que são assinadas’, disse. Eliane comentou que pesquisas realizadas
pela Folha de S.Paulo mostraram que a imprensa foi ‘razoavelmente
independente’ no processo eleitoral.


Ficha Limpa


Eliane avalia ainda que o Poder Judiciário tem estado no foco dos debates de
forma negativa. ‘Este 5 a 5 no caso da Ficha Limpa foi um vexame não apenas
dentro do Brasil, mas também fora. O STF é a alta Corte do país para julgar e
para dirimir dúvidas. Se ele se omite deste papel, ele joga a eleição brasileira
e o próprio país em uma incerteza jurídica’, criticou. A jornalista destacou
que, por conta do impasse no Supremo, o Congresso será instalado sem que se
saiba qual é a composição real da Câmara dos Deputados e do Senado. ‘Se o
cidadão não acredita nas suas instituições, você vai ter um acirramento do
populismo, um acirramento de personalidades, o que não é bom’, alertou. Partidos
com coerência e instituições firmes são determinantes para o fortalecimento da
democracia, na opinião da jornalista.


Para Ancelmo Gois, o papel das chamadas mídias sociais nas eleições
brasileiras não pode ser comparado ao desempenho destas nas última disputa
presidencial nos Estados Unidos, onde foram decisivas para a eleição do
democrata Barack Obama. A mobilização da sociedade a partir da internet –
principalmente pela rede de microblogs Twitter – financiou parte da campanha e
teve um papel inédito no pleito. Já no Brasil, ainda é preciso que as mídias
sociais demonstrem ‘seriedade’. O jornalista avalia que o uso na internet no
país virou ‘baixaria’ e demonstra a credibilidade da ‘velha mídia’. ‘Essa mídia
que nasceu ontem não tem credibilidade, precisa mudar para melhor’, afirmou.


Ancelmo concorda que a democracia brasileira evoluiu em comparação com as
décadas passadas, mas ponderou que a eleição de Tiririca para deputado federal
por São Paulo, com mais de um milhão de votos, ajudou a identificar um problema
na sociedade. ‘Nós temos uma estrutura jurídica eleitoral que transforma a
Câmara dos Deputados e o Senado em Câmara dos Vereadores de quinta qualidade. Eu
acho que aí é um horror. O Congresso brasileiro é hoje menor do que ontem e pior
do que amanhã, e o Tiririca ajudou a que a gente discutisse um pouquinho isso.
Há a necessidade de se fazer uma reforma política no Brasil olhando para este
Congresso’, avaliou.


***


O auto-engano coletivo


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 566, exibido em 5/10/2010


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


No jornalismo não há vencedores nem vencidos, todos são notícia, tudo é
informação. O saldo de avaliações do primeiro turno reforça o que foi dito em
nossa edição anterior: o debate sobre o desempenho da imprensa foi extemporâneo,
deslocado e acabou por produzir o esvaziamento do confronto de ideias sobre
questões vitais para a sociedade brasileira.


O eleitor se ressentiu, sua pauta é muito mais ampla do que a questão do
aborto onde os candidatos praticamente não divergiram. A supervalorização desta
questão é artificial. Mesmo porque ela embute-se em outra, muito mais ampla e
mais importante: o Estado brasileiro continuará sendo tutelado pelas confissões
religiosas ou conseguirá finalmente alcançar o ideal democrático do
laicismo?


A mídia, tal como os candidatos, deixou-se levar pela onipotência dos
marqueteiros. Não soube cobrar mais espontaneidade nem soube manifestar seu
desagrado diante de debates sem debates, propositalmente insípidos.


Obcecada com as pesquisas como se fossem exatas e definitivas, nossa imprensa
deixou de fazer jornalismo, preferindo o que há quatro presidenciais designamos
como ‘pesquisismo’. Foi um caso de auto-engano coletivo porque a ascensão da
candidata Marina Silva era sempre traduzida como ‘margem de erro’. Margem de
erro para cá, margem de erro para lá e, de repente, há um fato novo que altera
tudo e que ninguém teve a coragem ou a intuição para identificar.


Não se confirmaram as previsões de que a internet desempenharia um papel
crucial. Isso já aconteceu na Inglaterra onde também não se repetiu o
espetacular sucesso das redes sociais na eleição de Barack Obama. A mídia
deveria ser mais cética com relação às repetições, a formação de tendências
nunca é retilínea. A onda digital entre nós manifesta-se com mais intensidade na
linguagem desabrida e na boataria solerte. Não foi isso que levou Obama à Casa
Branca.


Nada disso é tão grave quanto o atraso da Justiça que mantém sub
judice
duzentas candidaturas e oito milhões de votos. Tão grave quanto isto
é o fenômeno Tiririca que repete o Cacareco de 50 anos atrás. Discutiremos isso
também a seu tempo.

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Jornalista