Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sociedade doente, jornalismo silente

Em texto publicado recentemente na internet, o jornalista Luiz Weis questiona a ambigüidade do jornal O Estado de S. Paulo frente aos recentes ataques do PCC em São Paulo. Segundo Weis, o Estadão estaria colocando lenha na fogueira porque em editorial sugere uma união para fazer frente à onda de ataques, enquanto a manchete do jornal enfatiza justamente a disputa entre Lembo e Lula.

O texto de Luiz Weis sugere duas questões interessantes e impertinentes:

1) O Estadão é lido e levado a sério?

2) Ler o Estadão e levá-lo a sério modifica a dinâmica social que gerou, alimenta e tem conservado a violência econômica, política e policial imposta a uma parcela populacional que agora resolveu mostrar que existe e sabe responder com o mesmo nível de civilidade com a qual tem sido tratada?

O jornalismo brasileiro sofre da mesma miopia social de muitos administradores públicos. Vê e registra as conseqüências do drama social, mas não enxerga causas. Pior que isto, reforça as causas da tragédia na medida em que a legitima ou apenas ignora a violência econômica, política e social a que uma parcela da população é submetida.

A formula empregada pelos jornais brasileiros não funciona mais. Esta pode ser uma das causas pelos quais eles estão se tornando irrelevantes. Tratar de negócios para os empresários, violência para os pobres, futebol para os torcedores, cultura para os refinados e política para os que se interessam pelas picuinhas administrativas e legislativas ou para alimentar as guerras entre os partidos e facções dentro dos partidos é pouco. Tal como tem sido praticado, o jornalismo nada na superfície da sociedade paulista e não a ajuda a encarar-se tal como ela é: brutalmente hipócrita, institucionalmente deficiente, desprovida de sociabilidade e doente porque pretende preservar-se rica, desenvolvida e miserável ao mesmo tempo.

Infernos escondidos

Acreditar nesta formula jornalística é preservar as coisas tal como estão, muito embora elas fiquem cada vez pior. A tal ponto que o resultado das eleições será incapaz de amenizar os problemas do Estado, nem a reverter as perspectivas sombrias do país. Lula ou Alckmin, PSDB ou PT não farão diferença: a disputa entre os partidos se tornou irrelevante, porque o abismo entre as classes se tornou tão grande que a menos favorecida resolveu se expressar por si mesma independentemente dos partidos.

Os jornais podem ajudar a mudar este processo de destruição dos canais de comunicação entre as pessoas. Mas para que isto ocorra o jornalismo terá que reinventar-se a si mesmo. Terá que debater seria e profundamente que negócios ajudariam a minimizar o impacto da criminalidade como fonte de renda para uma parcela da população que depende dela; que violência tem sido praticada com desperdício dos dinheiros públicos em concorrências desleais, salários gordos e aposentadorias gratificantes e quais categorias de cidadãos terão que ceder privilégios para que não percam as vidas com a guerra civil em andamento; que cultura está sendo parida à margem da sociedade culta e quais alternativas culturais podem ser criadas agora, já, ontem.

As soluções não estão aí, devem ser criadas. Mas duvido muito que alguém tenha realmente intenção de se abaixar para dar a mão aos que gritam nos infernos escondidos entre os condomínios de luxo paulistas. Duvido que os políticos enxerguem algo além de seus próprios egos inchados de vaidade, publicidade e adulação. A solução usual é mais repressão, mais opressão e, sobretudo, mais degradação pública, social e criminalidade.

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Advogado, São Paulo