Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Solicitação de entrevista abre debate sobre desconfiança

Um executivo de uma grande empresa foi procurado por um jornalista para declarações em off sobre determinado assunto de interesse público e decidiu consultar seus amigos numa rede de internet da qual faz parte. Todos jornalistas ou publicitários, com bem mais de 40 anos e larga experiência em redações e agências. Alguns ainda em veículos da grande mídia, outros em assessorias de imprensa e alguns na vida acadêmica. De todas as sugestões apresentadas, o saldo foi uma grande desconfiança da imprensa, o que soa muito preocupante para um setor que vive, ou deveria viver, da credibilidade e da confiabilidade.


Muitas questões foram levantadas na discussão que tomou conta da rede da qual o executivo participa – se o jornalista era sério, o que implica a divisão da categoria em sérios e não-sérios, para não dizer irresponsáveis; o caráter do veículo, que teve sua postura no tratamento dos assuntos seriamente questionada; e, o mais importante, o papel do jornalista e os interesses envolvidos na sua atividade.


Debateu-se que o jornalista empregado em veículo de comunicação deve pautar o seu trabalho pelo interesse público. Na busca da informação este pressuposto tem que estar em primeiro plano. No entanto, não se pode ignorar, como salientou um integrante da dita lista, o quanto é difícil exercer um ofício, que na essência é um serviço público, em empresas privadas, agentes importantes do jogo político e econômico na vida social.


Fora da ordem


A discussão teórica foi levada à prática com a vivência de cada um nos meios de comunicação e na relação com eles. Indagou-se, sobretudo, quantos jornalistas enxergam com clareza a sua função social e a exercem, efetivamente. O que se vê, segundo alguns relatos, são jornalistas cujo foco principal é o furo, a exclusividade da notícia, sair na frente da concorrência ou, pelo menos, não ficar para trás. Estes jornalistas teriam a lógica do patrão, do capital do acionista. Muitos deles, particularmente nas colunas de vários tipos, caem regularmente na tentação de serem irresponsáveis na divulgação de informações mal apuradas, não checadas ou contaminadas por opiniões pré-concebidas. Todos fingem que são comunicadores sociais e que estão a serviço do público, mas na prática não é isso que se dá.


Não se culpou o jornalista, mas as condições de trabalho, a má formação e a ausência de crítica. Uma integrante da lista, hoje exercendo sua profissão fora dos grandes meios de comunicação, observou que nada como sair da redação para olhá-la mais criticamente. Considerada cuidadosa em suas apurações nas várias redações por que passou, ressaltou que foi ao sair e passar para o outro lado do balcão, como se diz, que começou a enxergar onde havia estado, o que faziam e como pensam os nossos colegas, desarvorados pelas cobranças e cegos pela prepotência. Foi muito enriquecedor e sofrido também, relatou, pois uma vez adquirida a lucidez nunca mais a perdemos.


A discussão inquietou a todos e despertou uma tremenda reflexão sobre a profissão. Concluiu-se que falta formação profissional, com ênfase em ética e função social, e sobra pressão do mercado de trabalho, cada vez pior para os coleguinhas. É preciso que este debate se alastre por toda a categoria. Quando um caráter manipulador e muitas vezes mal intencionado da imprensa sobrepuja o interesse público que ela deveria representar, alguma coisa está fora da ordem.

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Jornalista