Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Somos apenas os mesmos

Enquanto os fios de meu cavanhaque se embranquecem e meu peso aumenta (mais do que eu teria coragem para veicular aqui), algumas coisas persistem em seguir sem mudanças. Embora a roupagem da revista Galileu tenha sofrido sensíveis alterações, as ênfases permanecem constantes. Note a seção na qual diversos articulistas desfiam ideias em poucas linhas. Suzana Herculano-Houzel, que escreveu ‘Somos apenas grandes primatas’ (edição de junho, p. 96), tipifica a mudança não substancial do periódico.

A escritora equipara homens a símios, estabelecendo como certo o paradigma da evolução – Darwin teria nos ‘tirado do berço esplêndido’. Curioso as provas para a afirmação não se encontrarem no texto, ou mesmo nos recônditos de alguma tese de PhD em Biologia. Não seria nenhum disparate supor que o cientista capaz de comprovar a ancestralidade comum entre espécies distintas seria laureado com o Nobel!

Ninguém pode contrapor a lógica darwinista. Talvez, como escreve Herculano-Houzel, pouco das especificações de nosso cérebro sirvam para comprovar que sejamos, em algum sentido, especiais em relação a outros primatas. Infelizmente, isto é insuficiente para explicar o quadro completo – somos mais complexos do que qualquer outra espécie jamais encontrada. A noção moral é um aspecto da multifacetada Humanidade que fortemente desafia o darwinismo.

‘Valores não passam de mentiras úteis’

Afinal, se fôssemos tão somente animais, como justificar as evidências de uma moral que permeia desde as culturas mais antigas e assume um caráter tão evidente? Sem padrões morais, não teríamos condições para discriminar as ações em categorias como ‘justas’, ‘éticas’ e ‘boas’, em contraposição àquelas que chamamos de ‘injustas’, ‘não-éticas’ e ‘más’.

E, caso mais sério, como embasar a moral? Ponderemos: se nossas noções são produtos de cultura que armazenaram características da espécie visando à sua sobrevivência, então teríamos somente uma moral utilitária, sem nenhum tipo de comprovação real. Poderíamos intuir o bem – mas quem garantiria que o ‘bem’ seria o ‘bem’, e não o ‘mal’? E, assim, poderíamos brincar deste gato e rato semântico ad infinitum!

Em resumo: no máximo, temos acesso a um tipo de conhecimento que garante a sobrevivência, ainda que sua veracidade nunca possa se confirmar em definitivo. É como dizer que as noções de valores não passam de mentiras úteis. O que é crime hoje poderia deixá-lo de ser, caso a noção moral continue a evoluir em outro sentido. Nada muito inseguro, portanto.

Maioria da população permanece criacionista

Por mais inverossímil que soe, um evolucionista que dialogava comigo argumentou que o Holocausto não era imora, pelo fato de que não podemos determinar o que é a moral com certeza. Não quero crer que tamanho estrabismo conceitual acompanhe todos os naturalistas; entretanto, não vejo como o darwinismo embase uma moral sólida.

Claro que processos naturalistas não-direcionados falham em explicar critérios morais que evidenciam um propósito. Falta ao modelo da Evolução o Absoluto moral, propósito fundador da moral humana e seu validador. Neste aspecto, o teísmo cristão se mostra historicamente mais bem sucedido. Tanto que os detratores do teísmo o acusam de ser excessivamente moralista, associação não de todo injustificável, se pensarmos num processo de causa e efeito.

‘Felizmente, as plateias atuais parecem aceitar bem a afirmação de que também eles, como Darwin e eu, são apenas primatas grandes.’ Não sei se isto é um desejo ou uma constatação factual. A maior parte da população inequivocamente permanece criacionista. Darwin, o precursor aclamado de Suzana Herculano-Houzel, não me parece ter tanta aceitação quanto querem os evolucionistas. Também isto não mudou.

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Teólogo e escritor