Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Todos os tempos são interessantes

 

Jornais, revistas e TVs a cabo estão conseguindo noticiar, dimensionar e, sobretudo, relacionar a alucinante sucessão de fatos e ações do atual momento?

Todos os tempos são interessantes, constatou o sereno e cético Eric Hobsbawm (1917-2012), agora desaparecido, mas no telão ao qual fomos confinados rodam soltas – e com incrível velocidade – imagens, ruídos e senhas que não fazem sentido.

O fluxo contínuo das mídias digitais evidentemente não foi concebido nem está aparelhado para organizar, classificar e contextualizar o turbilhão de ocorrências, mas a mídia periódica – a velha imprensa – está conseguindo sequenciar o turbilhão informativo dentro dos cânones burocráticos e rasos em que se obrigou a operar?

Alguém tentou aproximar a guerra da Criméia (1853-1856) com a posição russa diante da guerra civil na Síria ou compará-la com a guerra civil na Espanha (1936-1939)? O desabamento do Estado de Bem-Estar Social na Europa Ocidental, construído com tanto esmero ao longo de quase 70 anos, não sugere contrapontos com atalhos assistencialistas em outros quadrantes?

Redações silenciadas

As histerias populistas não remetem a outras, tenebrosas, já esquecidas, embora recentes? Se a arqueologia está reescrevendo a história das religiões, por que temer a descrença? A convicção em torno de uma Europa cada vez mais federalizada não confronta o delirante separatismo catalão, esse pêndulo interminável não inspira reflexões?

A fúria popular contra cortes de salários e benefícios sociais nas ruas da Europa não estimula paralelismos com as greves do nosso funcionalismo? As eleições quase simultâneas no Brasil, Venezuela e EUA não se engrenam, ao menos como tema?

Não salta aos olhos que terminado o julgamento da Ação Penal 470, vulgo mensalão, e independente dos veredictos, será inadiável uma reforma político-eleitoral? Como acomodar a cantilena da fadiga dos grandes partidos nacionais com a relativa solidez do bipartidarismo americano?

Mais do que interessante, o momento é fascinante: pródigo e miserável, combina pesadelo e esperança, agonia e delírio, inventividade e desespero. A história da humanidade descortina-se a cada instante, salta como um pop-up, mas para revivê-la e aproveitá-la é preciso clicar a palavra apropriada na Wikipédia.

As palavras apropriadas já não se cultivam nas redações silenciadas ou tomadas pelas gracinhas e informalidade.

Mais do que interessante, o momento é fascinante: o problema está nos espelhos: embaçaram.