Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

‘TV pública é contraponto à
caloria vazia da TV comercial’

Os Estados Unidos têm 356 estações de TV pública. Em relação ao Brasil, que conta com 199 emissoras educativas com concessão outorgada pelo governo, o número não chega a ser surpreendente. Mas a distância não está na quantidade de emissoras. As TVs brasileiras que se autodenominam públicas tiveram orçamento de cerca de R$ 500 milhões em 2008. As dos EUA receberam US$ 2 bilhões (R$ 4 bilhões). Aqui, elas dependem basicamente de recursos do governo. Lá, mais da metade da verba vem de doações.


A presidente da American Public TV, Cynthia Fenneman, esteve no Brasil, na semana passada, para participar do 2º Fórum Nacional de TVs Públicas. A APT é a segunda maior distribuidora de conteúdo para as TVs públicas -a primeira é a Public Broadcasting Service. Executiva com 33 anos de experiência em TV e com 12 prêmios Emmy (o Oscar da televisão americana) no currículo, ela julga a TV pública uma contraposição necessária às ‘calorias vazias’ das TVs comerciais.


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O que justifica um país pobre gastar dinheiro com TV pública?


Cynthia Fenneman – Com o crescimento da programação extremamente comercial, que eu chamo de calorias vazias, nas emissoras privadas, a televisão pública torna-se imperativa, para expor pontos de vista diferentes, com viés educativo, para formar cidadãos. Para isso, é importante que ela tenha autonomia em relação ao governo e à propaganda comercial.


É possível ter autonomia e depender de recursos do Estado? Como é o modelo nos EUA?


C.F. – Se somarmos todas as verbas destinadas ao sistema público nos EUA, o orçamento ultrapassa US$ 2 bilhões por ano. As fontes são as doações dos cidadãos e de fundações – responsáveis por mais de 50% do orçamento –, recursos do governo, patrocínios de programas, publicidade corporativa e venda de produtos culturais. A doação individual é de US$ 100 em média, mas há pessoas ricas que contribuem com até US$ 1 milhão. O governo não dá dinheiro diretamente a TVs públicas. Isso é muito importante. Os recursos são entregues à entidade que os representa, a Corporação para a Televisão Pública.


Há uma discussão no Brasil sobre a necessidade de eliminar a propaganda comercial nas TVs educativas. A publicidade é admitida na TV pública norte-americana?


C.F. – Temos o patrocínio corporativo, mas a propaganda comercial não é admitida. No intervalo dos programas podem ser exibidos anúncios de 10, 15 ou 30 segundos. Um fabricante de carros que esteja patrocinando o programa pode mostrar o carro, de modo sutil, sem estimular a compra.


Por que a propaganda comercial é incompatível com a TV pública?


C.F. – Para que as empresas não influenciem no conteúdo. Seria impróprio um anúncio exaltando um produto farmacêutico na TV pública, ou merchandising de produtos de consumo.


As emissoras comerciais contribuem financeiramente para os canais públicos?


C.F. – Os EUA não seguem esse modelo inglês. Eu bem que gostaria. Fazemos algumas coproduções com emissoras comerciais, mas não são frequentes. O mais comum é a cooperação entre TVs públicas.


Nas TVs públicas dos EUA há programas recorrentes também na TV comercial. O que diferencia o conteúdo de uma e outra?


C.F. – Nos propomos a oferecer entretenimento com consciência. Programas de gastronomia são apresentados por profissionais com longo background de especialização, que efetivamente ensinam a preparar o prato. Nas TVs comerciais há preferência por rostos bonitos. O interesse principal não é ensinar a cozinhar.


Seria uma TV menos glamorosa?


C.F. – O glamour não é o foco central, o que não impede que se busque pessoas com apelo visual e estética.


A audiência é um assunto tabu para grande parte das TVs públicas brasileiras. Qual é a audiência das TVs públicas nos EUA?


C.F. – A audiência média no horário nobre é 1,2%, mas chega a 5% em alguns programas nos fins de semana. É um bom desempenho. A audiência média dos canais HBO e History Channel é de 0,8%, e a do Discovery, 0,7%. Há 190 canais de TV nos EUA. A TV pública está em 15º lugar em audiência.


Como os canais públicos se comportaram na cobertura da gestão Bush? Há autonomia editorial?


C.F. – No governo Bush, parte dos telespectadores reclamava que a cobertura era muito liberal, mas outra parcela reclamava do oposto. As emissoras buscam uma linha neutra. A pressão vem de congressistas que querem reduzir o repasse do governo para a TV pública com o argumento de que há áreas mais prioritárias. Contrapomos essa pressão apresentando ao Congresso aspectos positivos da TV pública.


Vocês já têm clareza sobre o modelo de negócios viável para as novas mídias, como a internet?


C.F. – É um grande desafio. O que fazer quando os conteúdos passam a ser oferecidos gratuitamente na internet? O financiamento das TVs públicas foi pensado para os custos da TV tradicional.