Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Um balanço das entrevistas no Jornal Nacional

O assunto da semana que passou foi sem dúvida a série de entrevistas da TV Globo com os presidenciáveis, especialmente no Jornal Nacional (a Globonews também entrevistou os candidatos). O comportamento dos âncoras do JN recebeu críticas de todos os lados – tucanos julgaram o casal William Bonner e Fátima Bernardes mais duros com Geraldo Alckmin do que com o presidente Lula e os petistas disseram o oposto. Partidários de Cristovam Buarque e Heloísa Helena também reclamaram do modo como os candidatos do PDT e PSOL foram tratados.


As críticas são injustas. É preciso analisar a coisa toda com frieza, sem as paixões partidárias. Em primeiro lugar, Bonner e Fátima aprimoraram nesta primeira série de entrevistas o formato testado na eleição de 2002. Para quem não lembra, naquele ano também os candidatos foram entrevistados, e igualmente apertados pelos jornalistas. O tucano José Serra, então candidato à presidência da República, saiu-se especialmente mal porque esperava uma entrevista amena e não estava preparado para defender o governo Fernando Henrique Cardoso – queria falar apenas sobre o futuro. Lula saiu-se melhor porque a sua vidraça era, naquela época, pequena. Garotinho e Ciro também foram duramente inquiridos e em alguns momentos demonstraram irritação.


Desta vez, não havia desculpa. A direção de jornalismo da Globo tem realizado reuniões com os assessores dos candidatos e explicado muito bem o que pretende na sua cobertura eleitoral. A primeira entrevista é reservada aos temas espinhosos para cada candidato. Em setembro, os presidenciáveis terão no Jornal Nacional os mesmos 10 minutos (que na primeira série foram aumentados para 11 minutos porque Alckmin passou o limite no primeiro dia) para falar de seus programas de governo.


Trocando em miúdos, os candidatos deveriam estar informados sobre o tipo de entrevista que enfrentariam. Alckmin, o primeiro da fila, pareceu realmente assustado com as questões e demonstrou insegurança. Os demais já sabiam o que vinha pela frente e se saíram um pouco melhor. A bem da verdade, nenhum deles foi bem nesta primeira rodada de entrevistas.


Alckmin desconstruído


Do ponto de vista dos candidatos, é preciso analisar os programas de acordo com o objetivo de cada um. Para a imagem de ‘bom gerente’ que Alckmin quer passar ao eleitor, a entrevista no Jornal Nacional foi simplesmente desastrosa. O pior momento foi na questão sobre educação, em que o candidato tucano não conhecia o dado apresentado por Bernardes e rebateu com um número que sequer é verdadeiro. Também não pegou bem a resposta sobre a permanência de Eduardo Azeredo no PSDB – Alckmin não defendeu a inocência do companheiro, mas não explicou como ele continua no partido apesar de ter recebido recursos do ‘valerioduto’.


Para a imagem de candidato ético, esta questão e a dos anúncios da Nossa Caixa, também mal respondida, foram demolidoras. Se não conseguiu passar a imagem de bom gerente nem a de candidato ético, a entrevista não serviu aos objetivos do tucano. De positivo, apenas a resposta à questão do aumento de 16% aos aposentados que ganham mais de um salário mínimo: como disse que não vetaria o aumento, Alckmin deve ter conquistado alguns velhinhos para a sua candidatura.


A ‘Carta ao Povo Brasileiro’ de Heloísa Helena


Heloísa Helena (PSOL) foi ao Jornal Nacional com um objetivo muito claro: acalmar a classe média e mostrar que não é a radical que andam pintando por aí. Deste ponto de vista, foi quem melhor se apresentou no tempo disponível. Em que pese a arrogância na resposta que deu sobre a reforma agrária – Fátima Bernardes quis saber se ela desapropriaria fazendas produtivas e Helena replicou de bate-pronto: ‘Não, meu amor, porque a Constituição não permite’ –, a negativa firme e sua defesa da propriedade privada funcionaram como uma espécie de ‘Carta ao Povo Brasileiro’ do PSOL. Para lembrar: em 2002 o PT lançou a ‘Carta’ para acalmar os mercados, prometendo cumprir os contratos firmados no governo Fernando Henrique Cardoso.


Heloísa Helena também foi muito mais assertiva do que Alckmin nos momentos em que criticou o governo federal, mostrando que sua candidatura pode encarnar o ‘anti-Lula’. Também vale registrar que a senadora não se sentiu intimidada com o pequeno índice de intenção de votos e falou como se estivesse empatada com Lula, pronta para assumir o governo. Ou seja, passou uma imagem autoconfiante, ao contrário de Alckmin.


Sobre Cristovam Buarque é que surge a grande dúvida. Se o objetivo dele era se colocar como candidato de um assunto só – educação –, o objetivo foi plenamente atingido, ainda que em alguns momentos Cristovam tenha tropeçado. Todos os 11 minutos foram dedicados a este único tema, de tal forma que a última questão de Bonner foi até irônica (‘Qual é a sua segunda prioridade?’), mas o pedetista não se abalou e… falou mais um pouco sobre educação.


Se Cristovam pretendia ampliar o seu eleitorado e falar de outros temas, evidentemente o programa foi um fracasso total. Talvez tenha sido esta a entrevista mais mal conduzida. O casal apertou bem o candidato, colocou Cristovam na defensiva em diversos momentos, mas deveria ter ampliado os temas e não permitido que ele passasse o programa inteiro falando do que mais entende.


Saldo positivo


A entrevista com o presidente Lula foi a única realizada fora dos estúdios da Globo, e transmitida do Palácio do Alvorada. Bonner e Fátima estiveram impecáveis e calaram a boca dos tucanos que passaram a semana dizendo que a Globo favoreceria o presidente. As perguntas foram tão ou ainda mais duras quantos as feitas a Alckmin. Até o nono minuto da entrevista, Lula dava explicações sobre o escândalo do mensalão. Como Alckmin, o presidente só teve refresco na última questão.


Sobre os objetivos de cada candidato, é possível dizer que o presidente se saiu bem, pois a intenção ali era apenas manter a dinâmica da campanha tal como ela está agora e impedir que da entrevista surgissem fatos novos que pudessem alterar o curso da eleição, que até agora lhe é francamente favorável.


Lula sabia que teria de falar de corrupção e mensalão e, embora bastante tenso, não derrapou. Os atos falhos que apareceram certamente decorrem da tensão e servem até para criar uma imagem simpática de Lula, antagônica à maneira robotizada com que Alckmin aparece na telinha. O presidente, ao contrário de todos os demais candidatos, aparece como um brasileiro de carne e osso, homem que acerta e erra. Todos os demais procuram mostrar que jamais cometeram ou cometerão erros na vida.


Tudo somado, a impressão que fica é favorável à TV Globo, que vai expurgando os seus demônios e deixando para trás um passado em que manipulava, distorcia e até fazia campanha aberta contra políticos – Leonel Brizola sempre foi a vítima preferencial, mas Lula também sofreu na pele o poder da Vênus Platinada.


Os tempos mudaram, o público está muito mais atento e não aceita qualquer gato por lebre. Em setembro, uma nova rodada de entrevistas colocará em xeque este primeiro diagnóstico. Até aqui, saldo positivo para o Jornal Nacional.