Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um patíbulo eleitoral e redações de vestais

Fico com o pé atrás quando vejo a imprensa brasileira sendo assim pautada por um réu confesso, em regime de delação premiada. De repente, mais do que a pauta, Luis Antonio Vedoin, seu pai e agregados vão dando o tom da cobertura de nossa imprensa sobre os escândalos das ambulâncias e outros que tais. Quer dizer, a cobertura de nossa imprensa é que vai virando um escândalo.

Em vez de enviar repórteres e mais repórteres a Mato Grosso para decifrar e propiciar que a cidadania entenda, minimamente, por que este estado se transformou numa espécie de ninho da corrupção e de toda sorte de irregularidades (afinal, aqui explodiram as operações Arca de Noé, Sanguessugas, Curupira e tal), nossa imprensa dita respeitável se basta com as acusações disparadas a torto e a direito pelo réu confesso que, paulatinamente, vai se transformando também numa espécie de herói moldado na lama, à maneira de Roberto Jefferson.

O mesmo senador

Em Mato Grosso, a primeira atingida pelas acusações do delator e pelo descuido da mídia foi a senadora Serys Slhessarenko, do PT. Vejam os fatos: no mesmo dia em que a senadora Serys foi listada para a cassação, o relator da CPMI, senador Amir Lando (PMDB-RO), respondendo no plenário da comissão, com cobertura ao vivo e em cores, da TV Senado e da TV Câmara, a uma pergunta do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), disse que não teve tempo para ler a defesa da senadora acusada. NENHUM veículo da grande imprensa registrou a resposta de Amir Lando, que alegava que Serys, Magno Malta (PL-ES) e outros mais teriam tempo e prazo para a defesa justa nos respectivos conselhos de ética.

Só que Serys e todos os demais acusados saíram do relatório da CPMI direto para as manchetes dos jornais e para o noticiário das TVs apresentados como sanguessugas a serem cassados. Como triste consolo, restou à senadora Serys o fato de que, na sexta, dia 11, durante atividades de campanha no Espírito Santo, a senadora Heloísa Helena (Psol-AL) declarou à Agência Folha e à Agencia Estado que tanto a senadora Serys quanto o senador Magno Malta poderiam ser inocentes, já que suas defesas não haviam sido devidamente apreciadas no âmbito da CPMI. Essa declaração foi ao ar apenas nas edições online da Folha de S.Paulo e do Estado de S.Paulo do sábado (12/8), mas não repercutiu nas edições impressas dos dias seguintes e, ao que saiba, até agora não inquietou nenhuma das vestais que comandam redações, blogs e espaços de análise política.

Agora, nas páginas da Veja (edição nº 1970, de 23/8/2006), eis que a espada de Damôcles se move para atingir a cabeça do senador tucano Antero Paes de Barros (PSDB-MT). De acordo com o senador existiria por trás de tudo isto um complô. Este complô estaria sendo arquitetado pelo candidato à reeleição ao governo de Mato Grosso, o megassojicultor e atual governador Blairo Maggi (PPS-MT). Por mais insensata que seja a acusação, eis aí um caso para se investigar. Afinal de contas, quem acusa é o mesmo senador tucano que teria trazido à luz o caseiro Francenildo, o que resultou em toda aquela história da quebra do sigilo e na queda de Palocci. Será Blairo Maggi tão poderoso assim que possa manipular a Veja – e, por tabela, os demais veículos que se limitam a repetir o que a Veja publica?! Mais inquietante ainda: será a eleição de Mato Grosso assim tão importante para que seus candidatos fiquem mutuamente se alvejando e alvejando a mídia?!

Indisfarçado desvario

A senadora Serys, antes de Antero, já se dissera vítima de ‘interesses poderosos’ que teria contrariado ao longo de sua atuação como parlamentar. Será que o mesmo complô que visa Antero visou antes a senadora Serys? Será que o objetivo final é limpar a trilha para que Blairo Maggi se eleja tranqüilamente? Será assim tão simples o deslinde desta história? Será que Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), Fernando Gabeira (PV-RJ), Amir Lando, Heloisa Helena, Raul Jungmann (PPP-PE) e outros que tais, que atuam à frente da CPMI dos Sanguessugas, se prestariam ao lastimável papel de serviçais de um esquema tão sórdido? Até que ponto a atuação destes parlamentares-investigadores não passaria de campanha eleitoral consentida e armada em parceria com uma mídia complacente e acrítica? Mais preocupante ainda: será que nossas CPMIs são assim tão manipuláveis que podem ser usadas para arrasar com alvos pré-selecionados ao gosto dos poderosos de plantão?

À medida que a CPMI se omita e a imprensa se limite a ficar publicando listas de possíveis cassados, como se fosse uma espécie de patíbulo eleitoral, as especulações continuarão soltas no ar. O que se pode dizer é que, infelizmente, a mídia não aparece altaneira nesta história já que, pelo que sugerem o senador e a senadora, mais uma vez, grande parte dela se teria deixado envolver por interesses não muito claros. Ou será que jornalismo se faz apenas abrindo espaço para que um réu confesso fale? Depois da declaração não deveria vir a investigação?

Sim, que interesses movem o dedo de um blogueiro como Ricardo Noblat quando publica diversas notas para informar que a senadora Serys figura entre as possíveis cassadas pelas investigações dos sanguessugas – uma informação que brota apenas das declarações não-comprovadas dos Vedoins, não devidamente investigadas pela CPMI, conforme disse Amir Lando – sem jamais abrir espaço para a versão da acusada?! Noblat, que se anuncia sempre atento a tudo, não atentou para o alerta da insuspeita Heloisa Helena?! Pode-se especular que este tipo de colunismo se contaminou por mal disfarçado desvario de influir no processo eleitoral.

Com mais democracia

E a Veja, por que bombardeia o senador tucano Antero, recorrendo a afirmativas não-comprovadas de um réu confesso, em delação premiada, sem abrir espaço para as contra-argumentações do parlamentar? Para não esquecer outro pólo importante da grande mídia brasileira, não posso deixar de citar também a Rede Globo, que repete ad nauseam a lista dos possíveis cassados pelas denúncias dos Vedoins, mas também jamais ousou considerar, à luz das declarações da senadora Heloisa Helena, e da derrapada do senador Amir Lando, a possibilidade de que alguns dos acusados estejam sendo apontados pelos acusadores, em delação premiada, de forma indevida.

Em tempo: não sei se é coincidência, mas em Mato Grosso todo mundo sabe que o radialista Lino Rossi acabou se elegendo deputado federal por ter sido abençoado, em seu início de carreira, justamente pelo senador Antero Paes de Barros e seu parceiro Dante de Oliveira, principais lideranças tucanas na região. Isso se deu através das ondas amigas da TV e Rádio Gazeta, veículos de comunicação cujo surgimento e crescimento em Mato Grosso, aliás, também provocaram uma investigação judicial que se arrasta até hoje, o Secomgate, na qual o PMDB do ex-senador Carlos Bezerra acusa Dante e Antero de terem favorecido este surgimento e este crescimento com fartas verbas do erário já que controlaram o governo do estado por oito anos.

Lembro que foi que Antero quem abriu espaço em A Gazeta para que Lino se lançasse à fama como radialista, comandando o programa policialesco Cadeia Neles, de onde se projetou para um mandato na Câmara dos Deputados. Lembro e cito este fato para reforçar minha argumentação de que esse é um caso de certa complexidade, com diversas variantes e que não pode ser resolvido apenas com declarações de uma ou outra parte, com notinhas de um blogueiro insone ou mal dormido ou com a mera divulgação de listas e mais listas. Há que se investigar. Há que se sedimentar na população o interesse pela perfeita comprovação da culpa. Há que se defender, permanentemente, o devido processo legal. Os males da democracia só se resolvem com mais democracia.

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Assessor técnico do mandato da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT)