Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um balanço da cobertura

Quatro anos depois de uma vitória carregada de simbolismos e esperanças, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ganha mais um mandato na Casa Branca. Nas últimas eleições, o apertado resultado das urnas mostrou que Obama já não é incensado pelos eleitores e pela mídia como em 2008. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo (13/11) pela TV Brasil discutiu como a imprensa dos Brasil e dos Estados Unidos cobriram a disputa entre Obama e o republicano Mitt Romney.

Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro Fernando Lattman-Weltman, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj). Professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), Weltman acaba de retornar de uma temporada nos Estados Unidos, onde estudou o aperfeiçoamento das instituições democráticas. Em São Paulo, o programa contou com as presenças do embaixador Roberto Abdenur e do jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva. Abdenur éconsultor em assuntos internacionais. Foi embaixador do Brasil no Equador, na China, na Alemanha, na Áustria – perante os organismos internacionais em Viena – e nos Estados Unidos. Lins da Silva é doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), mestre pela Michigan State University, lecionou em várias universidades no Brasil e nos Estados Unidos. Foi secretário de Redação e ombudsman da Folha de S.Paulo e diretor-adjunto de Redação do Valor Econômico.

Em editorial, antes do debate ao vivo, Dines comentou que a disputa entre os dois candidatos teve destaque em todo o mundo, por isso as mídias locais refletiram o comportamento da imprensa dos Estados Unidos na eleição. “No Brasil não temos um Tea Party histérico, reacionaríssimo, quase fascista. Mas temos na mídia adeptos extremados da plataforma ideológica do Tea Party americano. Não temos um Murdoch querendo acabar com as conquistas sociais iniciadas pelo presidente Roosevelt há 70 anos. Mas temos um maniqueísmo antiestatal que elimina qualquer possibilidade de regulação dos mercados”, criticou. Para o jornalista, a mídia errou ao atribuir a vitória do democrata à demografia: “Foram as suas propostas endossadas pelas diferentes minorias. Somadas, criaram uma grande maioria. Lá e aqui”.

Da esperança à realidade

A reportagem exibida antes da discussão no estúdio entrevistou Merval Pereira, colunista de O Globo, que acompanhou nos Estados Unidos a campanha de 2008. “Ganhou muito bem no colégio eleitoral, [mas] teve menos votos populares e menos votos no colégio eleitoral. Isso quer dizer alguma coisa, quer dizer que os eleitores de Obama continuaram sendo maioria mas muita gente ficou desiludida, não foi votar. Muita gente que deu a Obama em 2008 uma vitória espetacular. Dessa vez, jovens, especialmente, não devem ter votado em grande número”, analisou Merval Pereira. Para o jornalista, a mídia refletiu uma desilusão de todo o eleitorado com o presidente Obama.

A mídia brasileira, com exceção dos jornaisO Globo e Correio Braziliense, não deu destaque ao apoio da revistaThe Economist ao presidente Barack Obama. Considerada conservadora, publicação declarou ter optado pelo democrata, que é identificado pelas alas mais à direita como um “socialista”. Logo depois, outra grande voz do capitalismo mundial, o Financial Times, seguiu a mesma linha. Renata Tranches, repórter da editoria Mundo do jornal Correio Braziliense, explicouque a publicação procurou mostrar a posição dos principais jornais estrangeiros sobre as eleições americanas. E não apenas o apoio ao presidente Barack Obama, já que mostrou também o apoio do Wall Street Journal a Mitt Romney.

Humberto Saccomandi, editor da seção de Internacional do Valor Econômico, disse queo jornal poderia ter dado destaque ao posicionamento da imprensa internacional, mas os apoios pareceram óbvios: “Eu acho que toda a imprensa europeia apoiou o Obama. Praticamente o planeta Terra inteiro apoiou o Obama. Não acho que era relevante nesta eleição, foi mais relevante em outras eleições, quando havia uma divisão maior”. Para Saccomandi, o desafio da imprensa brasileira em coberturas como essas é refletir sobre as consequências do resultado das urnas nos Estados Unidos para os interesses nacionais.

O papel da economia

No debate ao vivo, o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva comentou que a mídia brasileira deveria ter ressaltado a contradição de as publicações conservadoras apoiarem o democrata. Para ele, é importante destacar que o presidente Obama é um representante do liberalismo norte-americano: “Obama salvou o capitalismo de uma hecatombe que poderia ter sido histórica, mais ainda do que foi, por causa das políticas completamente equivocadas do seu antecessor”. No Brasil, de acordo com Lins da Silva, a maioria dos jornais se prendeu ao dogma de que o presidente de um país com alto desemprego e baixos níveis de crescimento não se reelege, principalmente nos Estados Unidos.

“Eles se aferraram àquele célebre refrão que James Carville, assessor do presidente Clinton, lançou na eleição de 1992: ‘É a economia, estúpido’. Nem sempre é a economia e, muitas vezes, o raciocínio econômico, inclusive da população, é mais sofisticado”, afirmou o jornalista. A maioria dos eleitores dos Estados Unidos, na opinião de Lins da Silva, percebeu que o presidente Obama salvou a economia do país e não avançou mais em outros setores porque era impossível. Por isso, a população preferiu continuar acreditando nas políticas do Obama do que voltar ao cenário político de George W. Bush.

Veículos de comunicação, tanto impressos quanto eletrônicos, nos Estados Unidos tradicionalmente declaram o apoio a um candidato. Dines perguntou se esta postura é mais transparente do que a da imprensa brasileira, onde raramente a preferência editorial das publicações é assumida. Carlos Eduardo Lins da Silva ressaltou que este fenômeno é recorrente na mídia norte-americana. Desde meados dos anos 2000, algumas emissoras de televisão, jornais, programas de rádio e revistas tornaram-se extremamente radicais tanto a favor dos republicanos quanto dos democratas.

“Eu acho que é saudável você ter uma posição clara em editorial de um veículo e acho que é muito pouco saudável ter uma cobertura totalmente enviesadas e, às vezes apaixonada – como se tem no caso, por exemplo, da FOXNews vs. NSNBC”, sublinhou o jornalista. A sociedade acaba sendo afetada por esta disputa, na avaliação de Lins da Silva, porque as pessoas que acreditam na posição ideológica de um candidato acabam ficando imunes ao argumento que se contrapõe a essas propostas. As consequências apontam para um futuro preocupante são e ainda piores quando o radicalismo vem acompanhado de uma divisão étnica. “Essas posições muito arraigadas dos meios de comunicação para um lado ou para o outro não ajudam”, criticou o jornalista.

Consequências para o Brasil

Dines comentou que, durante a campanha eleitoral, os jornais brasileiros ponderavam que as relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos não mudariam, independente do presidente que fosse eleito pelos norte-americanos. O diplomata Roberto Abdenur acredita que a mídia brasileira agiu corretamente em abordar o futuro das relações entre os dois países a partir do resultado das urnas. Na sua avaliação, a parceria avançou nos últimos anos, sobretudo durante o governo do presidente Obama.

“Eu observo que, curiosa ou paradoxalmente, o Obama não disse nada sobre o Brasil ou a América Latina. Praticamente nada no contexto da campanha e zero no contexto dos debates eleitorais. Quem, sim, suscitou a importância da América Latina para os interesses dos Estados Unidos, no caso do plano econômico, foi o Romney. Mas fez isso de uma maneira superficial”, avaliou o diplomata. Para Abdenur, o futuro das relações com os Estados Unidos é um componente importante para a política externa brasileira, por isso a imprensa agiu corretamente ao tratar do assunto.

Na avaliação do diplomata, a polarização política que existe atualmente nos Estados Unidos leva a uma impermeabilidade de um lado aos argumentos do outro grupo. “A polarização não é tanto o resultado da mídia, embora, inegavelmente, a mídia de um lado e de outro tenha um papel em aprofundar essa radicalização”, disse Abdenur. Outro aspecto importante que a mídia deveria ter explorado mais detalhadamente é a transição demográfica pela qual o país passa. Uma juventude que deseja um país mais progressista está tomando o lugar da geração de nasceu após a Segunda Guerra Mundial.

Cobertura superficial

Fernando Lattman-Weltman ficou impressionado com o espaço que a imprensa brasileira gastou com o debate em torno do apoio de celebridades aos candidatos. “Eu vi pouca discussão sobre as características bastante complexas e problemáticas do sistema eleitoral americano”, analisou o cientista político. Temas importantes, como as eleições primárias e as convenções partidárias, pouco apareceram nas páginas dos jornais e canais de televisão brasileiros. Para Lattman-Weltman, essas particularidades do sistema eleitoral dos Estados Unidos deveriam ter sido mais exploradas para que o cidadão pudesse estabelecer paralelos com a situação brasileira. Outros temas relevantes que ficaram de fora da cobertura nacional, segundo ele, foram a série de denúncias sobre tentativas de impedir o voto de eleitores nos Estados Unidos e a interferência do poder econômico.

“Lá não tem o horário de propaganda eleitoral gratuita, o que cria uma situação muito complicada em termos do poder econômico na propaganda eleitoral. Há uma série de dimensões do sistema político americano que seriam muito ricas para fazer uma comparação com o nosso, para a gente perceber onde é que temos problemas e onde avançamos talvez até mais do que eles em vários aspectos”, afirmou Lattman-Weltman.

Dines comentou que a FOXNewsestava “babando sangue” durante o período eleitoral, enquanto a NSNBC foi mais liberal. Fernando Lattman-Weltman ressaltou que a opinião deve estar separada do noticiário. O espaço para as posições ideológicas dos veículos deve ser o editorial e os artigos: “O problema está na hora da cobertura jornalística. Essa é que não pode estar enviesada. A manchete não pode dizer uma coisa diferente do texto da matéria”.

O pesquisador ressaltou que este comportamento dos canais a cabo resulta da lógica das emissoras por assinatura, que tendem a se dirigir sempre para o mesmo público. Lattman-Weltman comentou que as pesquisas apontam que a radicalização ocorre de forma mais exacerbada nos partidos e na mídia. O eleitorado americano não é totalmente contaminado por esta radicalização: “Há uma exacerbação deste processo. O eleitorado norte-americano não é tão polarizado assim – pelo menos em determinados temas, como cultura, religião. É uma coisa muito preocupante quando você tem as instituições – os partidos e a mídia – jogando água no moinho da radicalização”.

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A reeleição de Obama

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 665, exibido em 13/11/2012

 

A mídia internacional acompanhou com enorme interesse o desenrolar da campanha eleitoral americana e, se o mundo tivesse votado na terça-feira [6/11], Barack Obama seria escolhido por uma esmagadora maioria.

Mas, ao contrário do que se alegou, este interesse pelo pleito americano nada teve a ver com o relacionamento dos Estados Unidos com os diferentes países. A disputa Obama-Romney reproduziu-se nos quatro cantos do mundo e por isso as mídias locais de certa forma reproduziram o que se passou com a mídia americana.

No brasil não temos um Tea Party histérico, reacionaríssimo, quase fascista. Mas temos na mídia adeptos extremados da plataforma ideológica do Tea Party americano. Não temos um Murdoch querendo acabar com as conquistas sociais iniciadas pelo presidente Roosevelt há 70 anos. Mas temos um maniqueísmo antiestatal que elimina qualquer possibilidade de regulação dos mercados.

Assim como Mitt Romney equivocou-se esquecendo que existe um capitalismo desbravador e responsável, em oposição ao capitalismo selvagem e brutal, assim também grande parte de nossa mídia não percebeu – ou fingiu não perceber – que os maiores baluartes da mídia econômica mundial, como o Economist, Financial Times e Bloomberg News preferiram as inovações propostas por Obama às teses retrógradas e equivocadas do “empreendedor” Mitt Romney.

Não foi a demografia que deu a vitória a Obama, como nossa mídia tentou explicar. Foram as suas propostas endossadas pelas diferentes minorias. Somadas, criaram uma grande maioria. Lá e aqui.

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A mídia na semana

>> A BBC está vivendo um inédito inferno astral. Primeiro foi o circo de horrores provocado pela revelação de que a direção da empresa abafou durante três décadas as denúncias contra o apresentador Jimmy Savile, que se aproveitava da fama para abusar de mulheres e crianças. Agora o diretor-geral da BBC admite que o seu respeitado programa Newsnight fez recentemente acusações falsas de pedofilia contra um político do País de Gales. Neste sábado [10/11], George Entwistle, o diretor-geral, renunciou. Evidentemente não foi ele o culpado pela divulgação da calúnia, mas na condição de diretor-geral não poderia deixar de responsabilizar-se por graves erros cometidos por subordinados.

>> Simultaneamente, Estados Unidos e China, os países mais poderosos do globo, estão trocando e retocando comandos. A eleição americana foi uma festa da qual participaram cerca de 120 milhões de cidadãos convocados por uma imprensa livre, ativa e independente. A festa chinesa foi solene, mas dela só participam os dois mil delegados ao 18º Congresso do Partido Comunista Chinês. A democracia fez a diferença.

>> A redação do El País, o importante diário espanhol, entrou em greve durante três dias como protesto contra os cortes e demissões que a empresa foi obrigada a adotar por causa da crise econômica que abala a Europa. Apesar da adesão de 80% dos jornalistas, o jornal rodava e chegava às mãos dos seus leitores com menos páginas e suplementos locais, porém com o mesmo padrão de qualidade. O curioso é que o jornal noticiou a greve todos os dias e, no domingo [11/11], ofereceu aos leitores uma explicação cabal sobre a crise.