Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma bomba nas mãos da Globo

O seqüestro do repórter da TV Globo Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado foi mais complicado do que se pode pensar num primeiro momento. A libertação de Calado com uma gravação a ser veiculada para que o repórter fosse solto foi uma ação muito ousada. Só me lembro de ter visto algo parecido nas ações de terroristas islâmicos, que inclusive financiam algumas emissoras do mundo árabe. A gravação foi ao ar na íntegra apenas para o estado de São Paulo.

Minha preocupação aqui não é com a ação em si. Apesar de ousada, não é difícil de ser feita, pois existem diversos repórteres da Globo nas ruas todos os dias. A reflexão que faço é com relação à veiculação da fita. Pior do que tomar a decisão foi o pouco tempo que a Globo teve para agir. Havia uma ameaça clara à vida de uma pessoa. A veiculação era condição para a liberdade de Portanova. Diante dessa pressão, a Globo cedeu. Segundo a própria emissora, o conteúdo da fita foi analisado por autoridades, inclusive, e foi exibida, pela segunda vez, agora em rede nacional, editada e com uma narração, em vez da voz do bandido que aparecia na filmagem. Tudo para tentar conciliar os interesses dos bandidos e a libertação do jovem repórter. Essas atitudes surtiram efeito. Guilherme Portanova, por volta de 0h30 de segunda-feira (14/8), estava solto.

Boa sorte

A situação, então, é grave. A veiculação foi uma espécie de pagamento de resgate. A Globo pode tentar minimizar isto, acalmar os ânimos, mas está aberto um precedente. A emissora cumpriu a ordem dos bandidos e o jornalista foi solto. E ela pode pagar uma conta muito alta por isso. Já imaginou se resolverem seqüestrar um jornalista sempre que quiserem dizer algo em horário nobre na maior emissora do país? Pronto. A bomba está nas mãos da Globo.

O terrorismo chegou à imprensa e atingiu de cara uma das instituições mais poderosas. Pensou-se muito no presente, que agora é passado, mas nada no futuro, que hoje é presente. O futuro é hoje. Amanhã. Cada dia que virá. Jornalistas viraram alvo de uma tortura psicológica. Se seqüestrarem outro profissional na semana que vem, a Globo começará o Fantástico com outro depoimento de marginal? Ou vai assumir a responsabilidade de negar a veiculação e encarar a possibilidade de perder uma vida? Entrou-se num caminho sem volta.

Como justificativa, a falta de tempo e a situação de pressão. Como herança, a ‘jurisprudência’ a favor dos bandidos. Lembrando, obviamente, que isso tudo aconteceu porque o Estado não garante segurança nenhuma ao cidadão atualmente. Sem falar de Rio ou São Paulo, que é, no momento, o estado que parece inteiramente dominado pelos bandidos e abandonado pelas autoridades, o caos instalou-se pela total ineficiência das políticas de segurança pública. Tudo tem corrupção, tudo tem bandidagem. Das coisas simples às complexas. Congresso corrupto, Judiciário corrupto, câmaras e assembléias corruptas. Leis flexíveis. ‘Na dúvida, em favor do réu.’

O Poder Executivo se omite e a imprensa ascende como quarto poder acima de tudo e todos, pela carência geral de credibilidade. E agora, além de atacar a sociedade, com bombas e explosões em plena luz do dia, ataca-se a imprensa diretamente, para se conquistar o único espaço de credibilidade que ainda existe no Brasil.

Falando como futuro jornalista, que consigamos sempre trabalhar pelo interesse público, com ética e sem ameaças de bandidos ou pressões psicológicas desta natureza. Boa sorte para todos nós.

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Estudante de Jornalismo, Niterói, RJ (http://imprensaindependente.blogspot.com)