Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma segunda fonte, talvez?

A invasão do laboratório da Aracruz, no RS, rendeu matérias incríveis na imprensa gaúcha: pouca informação, opinião sobre opinião, falta de isenção e, no fim, o desrespeito corriqueiro a que o leitor é submetido nos momentos em que é tão subestimado. Entre tantos pontos, apresento dois, logo abaixo, apenas para levantar a seguinte questão, e NÃO para ficar de um lado ou do outro: com mais informações, seria mais interessante ler o jornal, mais esclarecedor, mais divertido, as pessoas respeitariam mais o órgão que apresentasse a matéria de maneira mais completa. Não sei de quem é a culpa neste caso, só sei do produto final, que é a partir de onde eu posso dar um palpite.


1) Perguntas não respondidas


Por que a Aracruz ‘amarga um histórico de invasões’, conforme afirma a matéria de Zero Hora do dia 9 de março? Por que uma empresa contrata outra para analisar o ‘risco social’ de se instalar no RS? É comum este tipo de pesquisa? Como é feito? Quais são as fontes? Essa informação, de que há empresas que traçam o ‘risco social’ de se instalar em determinado lugar, interessou-me. Mas sobre isso a matéria da Zero Hora não diz coisa nenhuma. A mesma Zero Hora noticia um estudo no qual a Região Metropolitana de Porto Alegre foi preferida pela Aracruz por ter população com bom nível de politização. Que estudo é esse? Novamente, as mesmas perguntas de antes: como foi feito? Quem participou dele? Quem decidiu fazer uma pesquisa assim? Qual é o tipo de fonte utilizada para se chegar às conclusões? Todas estas informações realmente me interessariam – e tanto que eu começo a achar que, para que não se aprofunde o assunto, é porque elas não devem existir, e a informação está errada.


2) A ‘fonte da informação’


A manchete do dia seguinte à invasão dizia respeito ao risco de, a partir do ataque, a Aracruz desistir de investimentos de mais de 1 bilhão de dólares no RS. A manchete poderia, de cara, ter sido sobre a ameaça à ordem democrática, mas, no caso de ZH, isto apenas ocorreu no domingo, 12 de março, quatro dias após a invasão. Quem forneceu essa informação, valiosa a ponto de os três editores dos três principais jornais do estado, preferirem-na à outra, questionando o ataque como uma ameaça às leis e à democracia – provavelmente um tema de maior interesse público, uma vez que, apesar das dimensões dos negócios envolvendo a Aracruz Celulose, sua existência não afeta mais do que uma mínima parcela da sociedade gaúcha? O respeito às leis e à ordem pública interessa a toda a população. Pois vejamos como foi conseguida a informação que foi o foco da cobertura do dia seguinte ao fato.


Quem disse que o investimento estava ameaçado?


Para Zero Hora: ‘Pela manhã, o gerente regional florestal da empresa, Renato Rostirolla, declarou, em meio às mudas pisoteadas, que o episódio poderia gerar interrogações no processo de instalação de uma futura unidade em solo gaúcho’.


Para o Jornal do Comércio: ‘Ação pode gerar a perda de novos recursos investidos pela Aracruz no estado, sustenta o gerente florestal da empresa, Renato Rostirolla. Segundo ele, seriam anunciados investimentos de US$ 1,2 bilhão até junho’.


Para o Correio do Povo: ‘‘Há trabalhos de 20 anos de melhoramento genético que foram perdidos’, lamentou o gerente regional florestal da Aracruz, Renato Rostirolla. Segundo ele, a invasão poderá prejudicar o RS na disputa para sediar uma nova unidade da empresa, que terá investimento de 1,2 bilhão de dólares’.


Ou seja, um funcionário da Aracruz, Renato Rostirolla, forneceu a informação, imediatamente aceita por todos os grandes jornais do estado. Será que não caberia uma investigação um pouco maior? Uma segunda fonte, talvez?

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Servidor público federal (TRE/RS), Porto Alegre