Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vantagens, parcialidade e uma empresa de Dubai

Byron Calame inicia sua coluna de domingo [26/2/06] com uma pergunta complicada – para jornalistas e empresas de comunicação, ao menos. ‘Não é incomum que funcionários corporativos ganhem descontos em produtos oferecidos por outras empresas, mas que tipo de favores funcionários editoriais do New York Times podem aceitar sem criar a aparência de parcialidade [em seu trabalho]?’, questiona o ombudsman.

Calame afirma que, no sítio interno do jornal, há um link que leva a uma lista de 88 empresas e organizações que fornecem produtos e serviços com descontos para funcionários do Times (do setor editorial ou não). As companhias vão de fábricas de carros até empréstimos, flores e spas de beleza.

O ombudsman procurou a política oficial do jornal sobre descontos. No item ‘protegendo a neutralidade do jornal’ do manual da redação do Times, descontos estão entre os objetos de ‘persuasão’ que funcionários não podem aceitar de qualquer companhia que apareça, ou possa a vir a aparecer, na cobertura do jornal. Mas há exceções, como com relação a descontos que são oferecidos ao público em geral. No manual há ainda mais especificações sobre o assunto: os funcionários são livres para aceitar vantagens corporativas de empresas que troquem serviços com o Times.

Isso acontece em casos como o de empresas de automóveis, que podem oferecer descontos aos funcionários do jornal para a compra de carros pessoais porque o Times tem um grande contrato com determinada companhia. Ou quando o jornal faz doações significativas para um museu, e este, em troca, providencia descontos ou entrada gratuita para os funcionários. Ou seja, são benefícios adquiridos pelo Times e compartilhados com seus empregados.

Calame, entretanto, acha a lista de descontos abrangente demais. Ele procurou o editor de qualidade, Allan M. Siegal, para conversar sobre o assunto. Siegal ocupa, há três anos, o cargo inédito no Times – criado após o escândalo do repórter-plagiador Jayson Blair – e é responsável pela supervisão dos padrões jornalísticos do jornal. ‘O ponto central é que eu negaria – e já neguei – o pedido de qualquer funcionário por descontos que, na minha opinião, pudessem apresentar um conflito com o jornalismo independente [daquele funcionário]’, afirma o editor.

Ainda não satisfeito, o ombudsman buscou entrar em contato com as empresas. Não conseguiu muitas respostas sobre os padrões de uso de descontos dos funcionários do Times, mas teve certeza de que algo precisa ser modificado. Ao conversar com representantes das companhias de flores e salões de beleza listados nos benefícios aos empregados do jornal, ele ouviu que as vantagens são oferecidas pela visibilidade que estas empresas esperam ter através do jornalão. O gerente da loja de flores chega a dizer que oferece os descontos aos funcionários do Times para ‘espalhar a notícia’ sobre seu negócio.

Calame conclui que os editores do Times devem ao menos revisar a lista de vantagens para notar que algumas das 88 ofertas são inapropriadas para os membros da equipe editorial – ‘lembrando que a possibilidade de conflito de interesse importa quando se trata de credibilidade’.



Dubai e os portos: questão de segurança nacional

Muitos leitores escreveram ao ombudsman nos últimos dias para questionar a cobertura do Times sobre o acordo que colocaria uma companhia estatal de Dubai, nos Emirados Árabes, responsável pelas operações de alguns dos maiores portos americanos. Para alguns leitores, o Times teria ignorado a história até a semana passada – e falhado em alertá-los do possível golpe político em ascensão com o acordo. Republicanos e democratas fazem oposição ao negócio, que colocaria seis dos principais portos dos EUA nas mãos de uma empresa do Oriente Médio.

Calame verificou a cobertura do jornal e notou que artigos sobre o assunto foram publicados nas seções de negócios e cidade desde novembro. Estes textos explicitaram os acontecimentos que levaram ao iminente acordo da operadora portuária Dubai Ports World para administrar operações nos portos de Nova York, Filadélfia, Baltimore e Miami. De fato, ressalta o ombudsman, o jornal publicou que foi a aquisição da companhia britânica de portos e balsas Peninsular and Oriental – e não a negociação de um novo contrato – que colocaria a Dubai Ports World encarregada dos portos americanos.

Calame considera que o jornal agiu corretamente ao classificar a história como um assunto de negócios, mas concorda que o Times poderia ter ‘alertado’ os leitores para os medos com relação à segurança nacional, suficientes para gerar uma manobra política. Após um artigo da Associated Press datado de 11/2, o jornal deveria ter agido rápido e levantado a questão, defende o ombudsman.