Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja


COPA 2006
Roberto Pompeu de Toledo


Recomendações para a Copa de 2010


‘Uma contribuição para que os erros na Alemanha não se repitam na África do
Sul


1. A maioria dos jogadores deve ser recrutada entre os que jogam no Brasil. É
imperativo que tenham bem frescas na memória coisas como mensalão, estradas
esburacadas, favelas, poluição visual, bala perdida, deputados sanguessugas,
nepotismo, trambique, propina, ultrapassagem pela direita, trafegar no
acostamento, cadeias superlotadas, rebeliões em cadeias, dar um jeito, jogar
lixo nas ruas, atirar pneus velhos nos rios, guerra de quadrilhas, salário
mínimo, menos que salário mínimo e caixa dois. A ausência do convívio cotidiano
com tais categorias pode levar à sensação de que se é alemão, suíço ou holandês.


2. Não devem ser convocados, especialmente, jogadores do Real Madrid.
Trata-se de um time perdedor. É bom jogar no Madrid para ser capa de revista,
vender camisetas com seu nome e namorar modelos, não para ganhar campeonatos.
Todos os jogadores desse time fracassaram na Copa da Alemanha: os da seleção da
Espanha, os da seleção do Brasil e David Beckham. Luis Figo e Zinedine Zidane
tiveram boas atuações porque deixaram a tempo o Real Madrid e a maldição que o
acompanha. De Robinho não se pode dizer que fracassou porque quase não jogou,
mas é pena que integre um elenco de contumazes perdedores. Estão criadas as
condições para ser estragado.


3. Devem ser convocados jogadores mais afeitos a comemorar vitórias do que
derrotas. Ronaldinho Gaúcho, um dia depois da eliminação do Brasil, deu uma
festa em sua casa de Barcelona. Os presentes, entre os quais Adriano, ainda
esticaram numa boate, até altas horas. O mesmo Adriano tinha acabado de comprar
um Porsche de 500 000 reais para se homenagear pela performance nos campos da
Alemanha.


4. O técnico deve ter real disposição para formar equipes vencedoras.
Formando Equipes Vencedoras é o título do livro que, assinado por Carlos Alberto
Parreira, ocupou os melhores espaços nas livrarias nas semanas anteriores à
Copa. Na Alemanha, no entanto, ele abriu uma exceção e formou uma equipe
perdedora. Nesse novo desiderato, foi impecável: teve medo de desagradar aos
mais famosos, treinou o time pouco e mal e achou normal que os jogadores
gastassem as folgas em baladas até as 5 da manhã.


5. O técnico deve ter cabeça menos colonizada. Parreira disse o tempo todo
que preferia os jogadores que jogam na Europa. Apoiou com entusiasmo a
transferência de Robinho para o Real Madrid. Acha que os jogadores ‘amadurecem’
na Europa. É curioso. Se o Brasil se considera – e é considerado – possuidor do
melhor futebol do mundo, por que seus jogadores amadureceriam melhor em outro
lugar? Questões de mercado à parte, mais certo seria dizer que Figo ou Zidane
amadureceriam disputando um campeonato brasileiro. Nem Pelé nem Garrincha
jogaram em times europeus. Dispensaram esse amadurecimento.


6. Anúncios com jogadores ou com o técnico da seleção só devem ser permitidos
terminada a Copa, como prêmio aos vencedores, não antes. Parreira estava
tranqüilo porque tinha a Golden Cross a seu lado. Tão tranqüilo que dormia no
banco durante os jogos. ‘Hã? Só faltam quinze minutos?’, perguntou, ao
despertar, no segundo tempo do jogo contra a França. Pôs então Cicinho e Robinho
em campo. Era tarde. Dizia-se que Vicente Feola, o técnico vencedor de 1958,
dormia durante os jogos. Era mentira. Parreira, graças à Golden Cross, é o
verdadeiro Vicente Feola. Já Ronaldinho Gaúcho ficou tão desesperado para
recuperar seu desodorante Rexona, ao se descobrir misteriosamente desprovido
dele, que gastou ali toda a sua energia. Há uma relação direta entre os anúncios
e o fracasso do Brasil na Copa da Alemanha.


7. Devem ser cortados do elenco jogadores que digam se sentir ‘motivados’
para a Copa. Se precisam dizer isso, é porque não estão.


8. Terão preferência, ao contrário do que ocorre entre os executivos das
empresas, jogadores que não dominem línguas estrangeiras. Roberto Carlos foi
flagrado dando ordens em espanhol à defesa. Não causaria espanto se viesse a
público que Lúcio e Juan se comunicavam em alemão, sem que Dida os
compreendesse. Ou que Kaká pedia a bola em italiano e Juninho Pernambucano,
interpretando-o mal, respondia com palavrões em francês. Houve uma zaga da
seleção, formada por Aldair e Antônio Carlos, que dialogava em italiano.
‘Confundamos a sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros’
(Gênesis, 11, 7). O pessoal de Babel, quando muito, chega às quartas-de-final.


9. Serão suspensos de suas funções os locutores que falarem em ‘atitude’ sem
especificar a que atitude se referem. ‘Faltou atitude!’, disseram vários deles
depois do jogo contra a França. Qual atitude? Atitude derrotista? Atitude
conformada? Atitude de apatia? Atitude passiva? Estas, ao que consta, sobraram.
Atitude arrogante? Atitude de valentia? Atitude de vencedor? Virou moda recorrer
à palavra ‘atitude’ como se, em si mesma, significasse algo. Desacompanhada, não
quer dizer nada.


10. Devem ser convocados jogadores um pouco mais pobres do que os da safra
2006.’


 


CAMPANHA
André Petry


Arrozita e Feijó, 12/7/06


‘‘Uma amostra estupenda da propaganda que o governo julga atender a uma
‘grave e urgente necessidade pública’


A lei diz que, a três meses da eleição, os governos só podem fazer campanhas
publicitárias em casos de ‘grave e urgente necessidade pública’. A idéia é
evitar que os governantes usem o dinheiro público para promover a si mesmos ou a
seus candidatos, fazendo propaganda de cada tijolo assentado em casa popular, de
cada centímetro de asfalto novo nas estradas. Desde que a proibição entrou em
vigor, o presidente Lula tem feito freqüentes consultas ao Tribunal Superior
Eleitoral. A cada campanha publicitária que lhe cai sobre a mesa, lá vai o
presidente ou seu preposto perguntar ao tribunal: essa pode? As consultas já
passam de dez. E dão uma amostra estupenda do tipo de propaganda que o governo
julga atender a uma ‘grave e urgente necessidade pública’.


Uma delas é para estimular o consumo de arroz e feijão. É. O governo acha
que, em pleno período eleitoral, é preciso fazer uma campanha para que os
brasileiros não deixem de comer aqueles alimentos que mais freqüentam nossa mesa
– ou ‘o par perfeito do Brasil’, conforme o mote da propaganda. A justificativa
apresentada é que ‘a população brasileira está reduzindo o consumo de arroz’ e é
preciso estancar essa tendência sob pena de contribuir para ‘a obesidade no
país’. Como não se deve descuidar da alimentação, isso pode mesmo parecer coisa
de ‘grave e urgente necessidade pública’, mas o próprio governo,
contraditoriamente, esclarece que essa redução do arroz vem ocorrendo desde
1975! Há mais de trinta anos!


A cartilha da campanha criou dois personagens: Arrozita e Feijó. Arrozita é
um pequeno grão de arroz, com lábios graciosos e gestos contidos. Feijó é um
robusto grão de feijão, com olhos enormes e corpo avantajado. O convite da
cartilha, dirigida a estudantes do ensino fundamental, é o seguinte: ‘Descubra
com Arrozita e Feijó maneiras deliciosas e saudáveis de combinar arroz com
feijão’. No pedido, o governo faz parecer que, se os brasileiros se esquecessem
de Arrozita e Feijó no período anterior à eleição, algo grave, algo irreparável
poderia se abater sobre nós.


O Tribunal Superior Eleitoral informou ao governo que a campanha poderia
esperar três meses, é claro. Com indisfarçável ironia, o despacho do ministro
Marco Aurélio Garcia, presidente do TSE, detalhou o que as palavras ‘grave’,
‘urgente’ e ‘necessidade’ significam segundo quatro dicionários diferentes – e,
nisso, ocupou três páginas do despacho. Como ironia final, frisou que os três
vocábulos, quando se juntam num único texto, formam uma expressão que
potencializa o significado isolado de cada um deles.


Há vários casos parecidos. O governo queria fazer, em pleno período
eleitoral, uma campanha publicitária para reduzir filas do INSS – como se esse
sintoma degradante da miséria do serviço público tivesse aparecido ontem. Queria
fazer uma campanha para avisar os estudantes das olimpíadas de matemática…
Outra para anunciar onde se pode obter dentadura nova…


A lei proibindo a propaganda, e autorizando a divulgação apenas do que é
grave e urgente, nem precisava existir. Aliás, nem existe em democracias mais
maduras. Mas, para isso, bom senso e honestidade de intenção têm de tomar o
lugar do trambique, da esperteza e da malandragem.’


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