Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

‘Veja’ enoja

A matéria de capa da última edição Veja (nº 2425) é espantosa. Se o ímpeto da revista não tivesse ido além da Carta ao Leitor, ela teria feito jornalismo. No espaço onde manifesta sua opinião, a publicação da Editora Abril diz, sem subterfúgios, que veta o nome do advogado paranaense Luiz Edson Fachin para ocupar a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal.

O indicado pela presidente Dilma Rousseff preenche as condições objetivas exigidas de um pretendente à mais alta corte da justiça no Brasil , dentre as quais duas – a conduta ilibada e o notório saber – podem ser apuradas devidamente na sabatina a que o Senado o submeterá na próxima terça-feira. É o que interessa apurar de um juiz.

Veja, porém, não quer só isso – e justamente para alcançar um objetivo que está além da formalidade legal, foi adiante da Carta ao Leitor: estendeu-se pela matéria de capa, cujo texto, expurgado das ilustrações, mal consegue completar uma página, tão desprovida é de informações.

A revista instrui os senadores a apurar se o candidato, comunista na juventude, continua comunista na alta maturidade dos seus 57 anos, quando manter essa opção ideológica, antes prova de ter coração, se torna demonstração de falta de cérebro (a revista não aponta a autoria da boutade do economista inglês John Keynes).

Veja quer que os senadores se invistam na condição de inquisidores medievais, a extrair do condenado (digo, candidato) confissões sobre seus pecados de não reconhecer o absolutismo da propriedade privada, defender a poligamia e ter se definido como cidadão político ao apoiar a candidatura de Dilma Rousseff à presidência da República na eleição de 2010. Só se abjurar desses pecados é que ele poderá sair da sessão senatorial sem a condenação ao quinto dos infernos.

Cega por seu ódio a pensamentos divergentes, Veja desce ao subsolo do jornalismo ao abrir o que devia ser uma reportagem citando a Carta ao Leitor, publicada poucas páginas antes (nunca vi isso em quase meio século de jornalismo profissional), e seu blogueiro-guerreiro, Reinaldo Azevedo, para quem, “por chegar tão carregado de ideologias e práticas da esquerda radical, talvez o mais correto fosse Luiz Fachin esperar pelo triunfo da revolução comunista no Brasil e, só então, pleitear uma vaga no Supremo Tribunal Federal”.

Esse tipo de reportagem, contaminada pela bílis do voluntarismo e da intolerância, é prova de acusação contra Veja e um tiro no coração do que deve ser a bússola na conturbada vida democrática: o uso da razão.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)