Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Zidane: desculpas
sem arrependimento

Nessa quarta-feira (12/7), Zinédine Zidane confirmou numa entrevista exclusiva e ao vivo a Michel Denisot do Canal Plus que Materazzi ofendeu-o. Com que palavras, quis saber o jornalista? Zidane se limitou a dizer que ele ofendeu sua mãe e sua irmã.


‘Claro, é um gesto que não se deve fazer, digo alto e bom som. Peço desculpas a milhões de crianças que viram essa cena. Peço desculpas a educadores que dizem o que se deve fazer ou não. Mas não me arrependo. Se me arrependesse significaria que ele tinha razão e isso não é verdade. Ele disse palavras muito violentas, que me atingiram profundamente. Reagi, pois há palavras que são mais duras que atos’.


O craque pediu desculpas pelo seu gesto diante das crianças para quem ele é um exemplo. ‘Mas se fala sempre da reação e não da provocação que a gerou. Se reagi, é porque aconteceu algo, uma provocação grave. Acho que deve haver sanção de quem fez a provocação e não apenas de quem reagiu à ofensa’.


A personalidade preferida dos franceses, eleito por três vezes seguidas numa pesquisa do semanário Le Journal du Dimanche sempre contou com a simpatia da mídia francesa, que trata com especial carinho o filho de imigrantes argelinos, nascido em Marselha na cité (bairro popular) chamada Castellane. Como a metade dos jogadores da seleção francesa, Zidade é originário das banlieues (subúrbios) pobres, como lembrava no domingo da final o Journal du Dimanche. A matéria dizia que nesses guetos de imigrantes pobres, o futebol e o rap são a grande porta de saída para um destino de glória.


A carreira do craque, chamado de Zizou pelos torcedores e colegas de seleção, foi exaustivamente rememorada por toda a mídia nesses dias de Copa. O herói que encerrava sua carreira com chave de ouro, disputando uma segunda chance de vitória no mundial – depois de um grande show de bola, sobretudo no jogo contra o Brasil – estava no Olimpo. Era um semideus.


Mas como para lembrar que é humano, Zidane reagiu intempestivamente e, como um carneiro, cabeceou Materazzi que o xingara.


Craque prometeu se explicar esta semana


Pourquoi? O que disse Marco Materazzi a Zidane?


Essa foi a pergunta que agitou a mídia mundial nos últimos dias até ser respondida na quarta-feira pelo craque num tom sereno e elegante.


Apesar da dureza de alguns comentaristas que condenaram seu gesto, 61% dos franceses ouvidos por uma pesquisa de opinião o perdoam e 78% o consideram o melhor jogador da Copa.


Segundo o jogador Lilian Thuram, entrevistado terça-feira à noite, Zidane lhe disse que o italiano o teria ofendido gravemente. ‘Mas ele caiu na armadilha de Materazzi’, lamentou Thuram, que não quis dizer que palavras teriam sido usadas para a ofensa, acrescentando que cabia a Zidane contar.


Na capa do especial da Copa chamado Le Mondial, que sai segunda datado de terça-feira, dia 11, o Le Monde deu duas fotos abertas na horizontal em meia página cada: no alto o capitão italiano correndo no campo com a taça na mão. O título da foto é Tête haute. Na parte inferior da capa, Zidane sai do campo, retirando uma tira de pano da mão, de cabeça baixa, e passa justamente ao lado da taça. O título da foto é: Tête basse.


Nesse número, o jornal resume alguns textos da imprensa estrangeira, decepcionada com o gesto de Zidane. Em outra matéria, ilustrada com três fotos da agressão a Materazzi, intitulada ‘Zinédine Zidane, a lenda maculada’, Bruno Caussé, enviado especial a Berlim, não poupa o craque e começa dizendo: ‘Ele maculou sua partida, como uma criança estragada e mal-educada’. Num box, ele comenta que esse primeiro caso de videoarbitragem deve fazer jurisprudência. ‘Viva o vídeo no futebol!’ ironizou o treinador da seleção francesa Raymond Domenech.


Mãe é sagrada


O Le Monde da terça-feira também reproduziu a informação do jornal italiano La Gazzetta dello Sport na qual Materazzi conta que Zidane foi ‘super-arrogante’. O jogador italiano insultou o francês, como ele mesmo conta, sem explicar o que disse exatamente. Negou que tivesse xingado a mãe do jogador: ‘Mãe é sagrada’, disse Materazzi.


A imprensa francesa não se entregou a um chauvinismo desmedido para defender Zidane. Ela se perguntou exaustivamente: Pourquoi? Muitos jornalistas o criticaram, como Cédric Callier que escreve que o craque estragou sua saída com o gesto intempestivo.


Apesar de condenar o excesso verbal que pode ter causado a reação inflamada de Zidane, Callier não desculpou o craque francês. Na terra de Descartes e do primado da razão, qualquer gesto impensado ou que demonstre falta de controle de si é visto como condenável. Callier não deixou de lembrar que Zidane levou 14 cartões vermelhos em sua carreira. Prova de que até mesmo um jogador que era a classe em pessoa pode perder o controle.


Inquérito sobre o caso


A Fifa anunciou a abertura de inquérito sobre o caso. Sem investigação poderia ficar a impressão que quem ofende não merece punição, apenas quem revida à provocação.


Para muitos, Zidane agiu como ser humano, falho, impulsivo e isso é bom para a imagem de quem estava sendo endeusado. Cresce o ser humano Zidade e diminui o semideus sem falha, sem mácula. Ele fica mais humano e menos herói mitológico. 


Anúncio lembra racismo


Pena que exatamente na Copa que disse ‘Não ao racismo’ uma ofensa aparentemente de caráter racista tenha feito Zidane perder a cabeça.


A injusta expulsão não apenas roubou do mundo as últimas imagens do seu genial talento, mas favoreceu a Itália, país onde um livro anti-árabe de Oriana Fallacci, crivado de frases racistas, é best-seller.


Dentro desse contexto futebolístico, dois anúncios publicados no Le Monde valem a pena ser mencionados. Um pela ironia e fino senso de humor. Outro pela crítica ao racismo.


O primeiro, da água Evian, de página inteira continha o grito de torcedores em letras azuis sobre fundo branco: Allez les vieux!!! Com três exclamações e repetida dezenas de vezes. Depois a frase: ‘Obrigado e bravo por tudo o que vocês nos fizeram viver. Evian, declarada fonte de juventue para seu corpo’. Como se sabe, a idade avançada dos jogadores da seleção francesa foi muito criticada no início da Copa.


O outro anúncio é do Comité Catholique contre la Faim et pour le Développement. A foto mostra um menino negro num lugar muito pobre cabeceando uma bola de futebol e a legenda: ‘De qualquer forma, a verdadeira vitória seria que a França o aceitasse, mesmo se você não sabe jogar futebol’.


Um soco no estômago da França de Le Pen.