Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O (falso) “Lula Livre” da grande imprensa brasileira

(Foto: Flickr – Robson B. Sampaio)

Desde que os áudios divulgados pelo site The Intercept Brasil demonstraram que a Operação Lava Jato não tinha por objetivo combater a corrupção, mas promover perseguições políticas e facilitar a entrega do patrimônio nacional para os grandes capitalistas estrangeiros, o regime político instalado após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff tem enfrentado uma enorme crise. Diante dessa realidade, com o intuito de tentar salvar a (já) desgastada imagem da Lava Jato, seus principais mentores têm buscado realizar algumas manobras para minimizar os estragos causados pelas pontuais revelações do The Intercept Brasil.

Entre essas manobras da Lava Jato está o pedido de sua força-tarefa para que Lula seja liberado da prisão, em Curitiba, e prossiga para o regime semiaberto, sob a alegação de “bom comportamento” do ex-presidente e de que ele está “na iminência de atender ao critério temporal”, determinado pelo Artigo 112 da Lei de Execuções Penais.

No documento que pede a progressão de regime para Lula, os procuradores argumentam que “o cumprimento da pena privativa de liberdade tem como pressuposto a sua execução de forma progressiva, […] visando à paulatina reinserção do preso ao convívio social. Trata-se de direito do apenado de, uma vez preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos, passar ao cumprimento da pena no regime mais benéfico”.

Ora, não sejamos ingênuos! Parafraseando um conhecido ditado popular, “de boas intenções, a Lava Jato está cheia”. Diante da grande pressão global pela liberdade de Lula e do desmascaramento da operação, a saída do ex-presidente da prisão em Curitiba para o regime semiaberto releva-se uma jogada de grande astúcia. Mataria dois coelhos com uma cajadada só: Lula estaria “parcialmente livre”, o que desmobilizaria as manifestações populares por sua liberdade e, o que é mais importante, faria com o que ele tacitamente concordasse que realmente é culpado em relação aos processos fraudulentos dos quais tem sido vítima.

Entretanto, lembrando uma clássica frase de Garrincha, “faltou combinar com Lula e seus advogados”. Sabiamente, o ex-presidente recusou a proposta da Lava Jato. Em carta escrita dia 30 de setembro, ele rechaçou o regime semiaberto. “Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade. Já demonstrei que são falsas as acusações que me fizeram. São eles, e não eu, que estão presos às mentiras que contaram ao Brasil e ao mundo”, afirmou.

Após a recusa de Lula em progredir para o regime semiaberto, a grande mídia brasileira, principal aliada e porta-voz da Lava Jato, iniciou uma campanha para que o ex-presidente aceitasse a capciosa proposta para sair de Curitiba, uma espécie de “Lula Livre conservador”.

Para tanto, foram utilizados os mais baixos argumentos.

Segundo a Folha de S.Paulo, se Lula não quiser ir para o semiaberto, na prática ele correrá o risco de ser considerado um preso com mau comportamento ou responder por descumprir decisão judicial. Em sua coluna, Mônica Bergamo insinuou que Lula estaria sofrendo pressão familiar e da namorada, Rosângela, para que aceitasse cumprir o resto da sua pena em casa no regime semiaberto. No entanto, em nota enviada pela assessoria de Lula, a própria namorada do ex-presidente afirmou que não o pressiona para ir para a domiciliar e “apoia a decisão que ele tomar”.

Na terça-feira (1/10), o jornal O Globo trouxe a seguinte manchete de capa: “Cálculo político. Lula diz não querer regime semiaberto pedido pela Lava Jato. Estratégia do ex-presidente é anular sentença e voltar a eleições”.

Nessa mesma edição do periódico da família Marinho, Miriam Leitão afirmou que manter Lula preso em Curitiba significa desperdiçar dinheiro público e Merval Pereira escreveu que “Lula não tem o direito de recusar a progressão, assim como o Ministério Público, como parte da ação, pode pedir a progressão da pena, de acordo com a Lei de Execuções Penais”. Ainda segundo Merval, o grande problema é Lula ter de volta os seus direitos políticos.

Desse modo, o articulista do jornal O Globo deixou transparecer o principal temor dos setores conservadores da sociedade brasileira: o retorno de Lula ao cenário eleitoral. Aliás, a direita só voltou ao poder máximo da nação pela via eleitoral justamente pelo fato de Lula ter sido impedido de disputar a eleição presidencial do ano passado.

Porém, os argumentos esdrúxulos para a progressão da pena de Lula não foram produzidos apenas pelos articulistas da grande mídia. Em entrevista à Rádio Gaúcha, o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, declarou que a manutenção de Lula preso em Curitiba “está desvalorizando imóveis na vizinhança da Polícia Federal”.

E, assim, a direita brasileira tem pagado caro pela prisão e perseguição a Lula. O ex-presidente se transformou em uma verdadeira “batata quente” nas mãos dos setores conservadores. Ao continuar preso em Curitiba, Lula revela para o mundo as arbitrariedades da Operação Lava Jato; no semiaberto, ele ficaria momentaneamente neutralizado; livre, porém, com seus direitos políticos restabelecidos, vira presidente novamente.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ e professor do PROEJA do IFES – Campus Vitória. Autor (em parceria com Vicente de Paula Leão) do livro A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes, publicado pela editora CRV.