Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O analfabetismo ambiental mata o planeta e o jornalismo científico

Uma quantidade imensa de pesquisas, surgidas de diversos cantos, inclusive da academia, colocam a questão ambiental entre as cinco maiores preocupações atuais da humanidade. Há momentos que ela alcança o terceiro lugar neste ranking, só sendo superada por questões mais diretamente ligadas ao cotidiano humano, como a insegurança e a economia. Embora esses estudos apontem a saúde do planeta como algo crucial, ela é –sem dúvida – a que menos recebe atenções e intervenções diretas, tanto por parte de governos ou da própria sociedade.

O jornalismo sob enfoque tanto científico como o ambiental (esse último muito mais organizado em suas relações) se esforça para colocar uma lupa e, por vezes, uma lente macro em ações pontuais na esperança de sensibilizar as pessoas sobre ações positivas. Ou parte para exemplos trágicos como os fenômenos extremos, geralmente ligados ao clima. Mesmo com esse esforço comunicacional, nota-se que entre a sensibilização e a ação prática há um abismo, além do perigo de alicerçar de vez a zona de conforto de muito inativos ambientalmente.

Há um latente analfabetismo ambiental e científico – que não é exclusividade brasileira – fundamental para que os barbarismos da antropização (1)  no meio ambiente natural acabem mitigados pela própria mídia ao apresentar soluções individuais, de pequeno alcance. A resposta inconsciente – ou mesmo consciente – é simplória e indolente: já existe gente trabalhando nesta mudança planetária. Como se isso aplacasse a culpa e, principalmente, a inoperância de grande parte da sociedade. A situação piora se isso mexer com algum interesse particular ou com a alteração do status quo do indivíduo. Vivemos a dicotomia do “precisamos mudar, mas, por favor, não altere nada”.

O homem ainda não se apercebeu do óbvio, o risco de extinção também envolve a própria espécie. Ele passará e permanecerá sobre o modificado Planeta como um registro fóssil, unindo-se assim aos seres marinhos, aos grandes répteis, aos dinossauros e a megafauna – a qual incluiu diversos mamíferos. Em 500 milhões de anos de evolução da vida planetária e de extinções em massa (aniquilações essas ocorridas diariamente em menor escala), a melhor definição do que venha ser a espécie humana vem do jornalista da BBC e naturalista David Attenborough: “ Somos muito mais filhos de desastres naturais do que da própria evolução natural”.

Para uma parcela da população, a busca por informações ambientais cresce proporcionalmente a sua importância e gravidade. O assunto ganha espaço desde os debates acadêmicos até as conversas de mesa de bar, criando um paradoxo no mínimo curioso: a humanidade necessita da informação, de compreendê-la dentro de uma linguagem acessível ao leigo, mas não está disposta a bancá-la. Precificá-la, como qual outro produto informativo. Os sites e publicações especializadas no tema vivem à mingua para manter-se e diversos já encerraram suas atividades.

A sociedade, em sua esquizofrenia mercantilista, paga altos valores, por meio direto ou indireto, para ter informações de ordem econômica. Mas não parece disposta a fazer o mesmo pela ambiental. Para a maioria preocupada com a situação planetária (embora haja uma significativa parcela que sequer atente para a gravidade do quadro) compreender o alerta sobre a elevação de um ou dois graus centígrados na média térmica mundial pode esfacelar dramaticamente esse modelo econômico. Mais difícil ainda se aperceber que as estruturas sociais se transformaram em questões de dias ou mesmo de horas, num colapso fatal.

A espera de um milagre

Existe aí um autismo das sociedades urbanas movidas pelo consumo apregoado por uma economia desenfreada, autofágica e narcisista. Sem a compreensão devida do problema e sentindo os feitos do colapso se abre espaço para o surgimento de salvadores do mundo, que se utilizam da prostração geral, para difundir seus discursos céticos e redentoristas, livrando de culpa a humanidade em seu rastro de atrocidade.

Vários acreditam na figura de um Deus redentorista, difundido pelas religiões monoteístas. Os mais pragmáticos buscam as respostas em governantes com ares messiânicos no universo da política. Ou no empresariado ávido por ser o timoneiro da construção de uma nova ordem mundial. Em todos esses casos há a redenção dos desastres ambientais provocados pelo homem e a perpetuação do homem como espécie soberana sobre os demais seres viventes e numa tentativa fracassada – e hoje entendida suicida – de controlar o Planeta.

Para completar o cenário, parte do segmento científico procura desqualificar os movimentos ambientais num exercício de supremacia, num distante e obtuso discurso de decanos da erudição. Os pesquisadores diminuíram sensivelmente a divulgação de informações científicas e poucas vezes estabelecem vínculos entre seus trabalhos e de colegas ‘concorrentes’. Infelizmente essa ainda é uma prática comum no meio acadêmico e tão provinciana quanto as tiranias do conhecimento que condenaram Galileu, Pasteur, Darwin e uma infinidade de outros que ousaram enfrentar as organizações detentoras do saber.

Só haverá real esperança em alterar a dramática situação planetária quando o volume de conhecimento e de informações cruciais destinadas à criação de uma massa crítica saltar das dissertações e teses, pesquisas mantidas sob o anonimato e estudos, inclusive inconclusos, deixarem o mofo de seus escaninhos e bibliotecas e saltarem para a democratização do conhecimento.

Enquanto o império do egoísmo, fomentador de sistemas enclausurados e sectários, não superar essa falta de visão universal estamos fadados a sermos os autores da mais cruel e programada extinção em massa do que chamamos hoje de Terra.

(1) Estudo da influência do homem sobre o meio ambiente natural

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Júlio Ottoboni é jornalista diplomado e pós-graduado em jornalismo científico