Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Coronel revela assassino de jornalista ligado ao SNI

O coronel da reserva do Exército Paulo Malhães, que afirmou à Comissão Estadual da Verdade do Rio ter participado de operações para fazer desaparecer corpos de presos políticos assassinados sob tortura na ditadura militar, disse a investigadores do grupo que o coronel do Exército Freddie Perdigão assassinou o jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982. Malhães, de 76 anos, foi convocado a depor hoje em audiência pública da Comissão Nacional da Verdade.

Ligado ao Serviço Nacional de Informações (SNI), Baumgarten foi encontrado morto a tiros na praia da Barra da Tijuca, em 25 de outubro daquele ano, dias depois de sair para pescar na traineira Mirimi. A embarcação e os corpos da mulher de Baumgarten, Jeanette Hansen, e do barqueiro Manoel Valente Pires, desapareceram.

Antes de morrer, Baumgarten deixou com amigos um dossiê em que responsabilizava o então ministro-chefe do SNI, general Octávio Medeiros, e o chefe da Agência Central do órgão, general Newton Cruz, caso morresse. O texto foi revelado depois que o corpo apareceu. Cruz foi denunciado à Justiça, mas foi absolvido por falta de provas.

De acordo com Malhães, Perdigão – que morreria nos anos 90 e era conhecido como Dr. Nagib no DOI-Codi, órgão de repressão vinculado ao I Exército – seguiu a Mirimi com outro barco, interceptou a traineira e matou o jornalista a tiros. O corpo foi jogado no mar e a embarcação, afundada. No depoimento não há informações sobre o paradeiro de Jeanete e Pires.

O Cruzeiro

A eliminação do jornalista envolveria a “Operação O Cruzeiro”, uma tentativa do SNI de usar um título da revista de mesmo nome para criar uma corrente de opinião pública favorável à ditadura, cada vez mais impopular na época. Baumgarten adquiriu os direitos do título em 1979 e atuava à frente da revista a mando do SNI, que se encarregava de extorquir publicidade para a publicação e lhe dar dinheiro diretamente. O novo O Cruzeiro não resistiu ao fracasso editorial, e Baumgarten, sob ameaça, foi obrigado pelo SNI a vendê-lo.

O nome de Perdigão surgiu depois de três horas de conversa, quando a equipe da comissão, interessada no destino dos restos mortais do ex-deputado Rubens Paiva, insistia em saber onde eram jogados os corpos dos presos mortos pela repressão. Malhães explicou que não era possível enterrar, porque, segundo disse, sempre acabam achando cadáveres enterrados nessas circunstâncias. Quando lhe perguntaram se as vítimas eram jogadas no mar, respondeu que apenas a Aeronáutica agia assim.

“O único corpo que jogaram no mar foi o Perdigão, foi uma cagada”, disse Malhães ao jornalista Marcelo Auler e à advogada Nadine Borges, integrantes da Comissão Estadual da Verdade do Rio. Quando lhe perguntaram o que o oficial fizera, afirmou: “Foi aquela do cara que escrevia no Cruzeiro”. “Von Baumgarten?”, insistiram os pesquisadores. “Von Baumgarten”, disse Malhães.

Segundo o coronel da reserva, Perdigão e seus comparsas, após o que chamou de “combate de caravelas”, chegaram a pensar em simular um afogamento para encobrir o homicídio, o que não foi possível, por causa dos ferimentos a bala. Depois, já no Instituto Médico-Legal (IML), agentes do SNI tentaram, segundo ele, trocar o corpo do jornalista por outro, remanejando a etiqueta de identificação, mas isso também não teria funcionado.

Casa da Morte

Na audiência de hoje, Malhães será questionado sobre a Casa da Morte, centro clandestino de cárcere e tortura que funcionou em Petrópolis (RJ), nos anos 70. Inês Etienne Romeu, única sobrevivente do local e ex-integrante da organização guerrilheira VAR-Palmares, participará da audiência. Ela ficou 96 dias em cativeiro, período no qual foi torturada.

O coronel foi intimado pela Polícia Federal depois de trechos de seu depoimento à Comissão Estadual da Verdade terem sido divulgados pelos jornais O Globo e O Dia. Além de relatar como funcionava a Casa da Morte, Malhães assumiu ter participado da operação para fazer desaparecer o corpo do ex-deputado federal Rubens Paiva, morto em 1971. (Colaborou Clarissa Thomé)

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Wilson Tosta, do Estado de S.Paulo