Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mais que um fotógrafo

Ao apertar-se o botão que abre o obturador da máquina fotográfica, cria-se um documento, uma crônica, registra-se a história. Apesar de a fotografia ter surgido somente na primeira metade do século 19, foi no início do século seguinte que as imagens tomadas ao vivo começaram a se fazer mais presentes. As reproduções de fatos extraordinários ou quotidianos, grandes personagens e camponeses, industriais e mineradores, campeões e criminosos têm a memória materializada instantaneamente pela fotografia. Esta se torna o instrumento principal da crônica jornalística, criam-se arquivos de imagens que serão a futura fonte de informações para a história.

Willy Ronis nasceu em Paris em 1910, estudou desenho, violino, harmonia e ainda fez um pouco de faculdade de Direito. Ganhou sua primeira máquina fotográfica aos 16 anos e começou a registrar sua cidade. Aos 22, sacrificando a vocação para a música, viu-se obrigado a trabalhar no gabinete fotográfico do pai, que estava muito doente (com câncer). As fotos eram somente 3 x 4, para carteiras de identidade.

Sua vocação de fotorrepórter descobriu em 14 de julho de 1936; era uma festa especial. Além das rosetas e das bandeiras tricolores, nos boulevards via-se um mar revolto de estandartes operários e de bandeiras vermelhas. A Internacional fazia contracanto com a Marselhesa, no governo estava a Frente Popular de Léon Blum. Victoire de la classe ouvrière. Victoire. Victoire. Les patrons ont capitulé (Vitória à classe trabalhadora. Vitória. Vitória. Os patrões capitularam), era a manchete do já centenário jornal Le Poupulaire. Ainda contrariado com sua profissão de fotógrafo, Ronis vadia entre a massa de pessoas ao longo da Rue de Rivoli, quando vê uma menina "montada" a cavalinho nas costas do pai. O homem levanta o punho direito e ela o imita. Ele está com um boné proletário e ela com o barrete frígio da revolução burguesa e republicana. Willy fotografa e consegue uma foto que fará a história dos anos 1900. Daquelas que com o mágico poder de síntese nos mergulham fisicamente numa época. É o primeiro trabalho que lhe deu dinheiro, foto vendida que foi para L’Humanité.

Até a cremação

Filho de hebreus russos e lituanos, no momento da invasão nazista Ronis foge para a zona desocupada. Guarda seu equipamento fotográfico e vive de pequenos expedientes. Volta a Paris na Libertação. É um período de euforia, todos os dias surgem novas publicações ilustradas. No fim dos anos 1950, a fotografia romântica começa a perder terreno para o mercado ideológico, dos Estados Unidos desembarca a moda do sensacionalismo, sexo e escândalos. Este não era seu sistema, pede demissão da Life porque não aceitava que reescrevessem as legendas de suas fotos. Entre 1958/59 trabalhou para a revista Vogue, mas provocativamente fazia as modelos posarem nas "favelas" dos arredores de Paris. Ficou fora do movimento estudantil de 1968, ele mesmo explica: "Os fatos de maio? Fiquei fora. Os filhos do bem-estar descobriam a classe operária, não os levei muito a sério"

Willy Ronis foi definido como o último dos "fotógrafos humanistas", ele gosta desse rótulo: "Tudo que é humano me envolve. Jamais fui rico. Hoje, com os direitos autorais, não tenho problemas econômicos. Venho de uma família modesta e me sinto sempre interessado em pessoas modestas, a vida cotidiana. Uma representação poética da felicidade de todos os dias". Todavia registra também as aflições, a pobreza, os trabalhos pesados e mais que tudo a desesperança.

Tirou suas últimas fotos em 2001. Há alguns anos suas pernas começaram a traí-lo e se viu obrigado a usar muletas. Não se queixa: "O que você quer, trabalhei durante 75 anos. Agora não tenho tempo de me aborrecer, faço livros e organizo exposições de minhas fotos". Uma delas está acontecendo em Paris neste janeiro. Paris agora, para ele, está limitada a um pequeno parque junto a sua casa, onde vai dar umas voltas, ou pela janela do automóvel, quando algum amigo o leva a alguma parte.

Tem lembranças da época da Guerra Fria. Nas greves das fábricas os piqueteiros não deixavam entrar os repórteres estadunidenses: ele não tinha problemas. Com um ar de nostalgia, conclui: "Era comunista e o serei até minha cremação".

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Jornalista