Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma experiência frustrante

[Num dos depoimentos publicados no livro A Regra do Jogo, Cláudio Abramo diz que a experiência da reforma na Folha, mesmo que tenha contribuído muito para o jornalismo brasileiro, havia sido profissionalmente frustrante para ele.]

A experiência na Folha foi frustrante a posteriori. Devido ao desenvolvimento posterior do jornal, no qual se adotaram políticas com as quais ele não concordava, e devido ao fato de ele se sentir co-responsável pela transformação da Folha em jornal importante, havia nele uma expectativa interna de suas opiniões serem mais levadas em conta do que foi o caso.

Seria muito difícil fazer um diagnóstico preto-no-branco sobre as complexas emoções que acompanharam o trajeto profissional de Cláudio Abramo nos jornais em que trabalhou (não apenas na Folha). Havia uma mistura de frustração, de desapontamento, de indignação, alimentados por fatores que nem ele mesmo seria capaz de analisar com alguma chance de objetividade. Decerto ele se sentia excluído.

Cláudio mantinha uma relação complicada com Octávio Frias de Oliveira, o controlador da Folha, e com Otavio Frias Filho. Ao mesmo tempo que atribuía ao primeiro seu afastamento do centro das decisões na Folha, era-lhe sinceramente grato por tê-lo acolhido, mais de uma vez. Embora este seja um tema sobre o qual eu tenha pouca informação, acredito que em relação a Otavio Frias Filho havia diferenças decorrentes das diferentes concepções de jornalismo que ambos professavam, mescladas aos conflitos e afetos desenvolvidos ao longo da relação muito íntima que mantiveram no período de formação de Otavio. Esse, contudo, é um território altamente inseguro em que se aventurar, e não tenho como dizer A nem B.

De toda forma, não acredito que o interesse central dessa história esteja na pessoa de Cláudio Abramo nem em psicologias superficiais. Creio que o ponto fundamental é a forma como se dão as relações profissionais no jornalismo. Em A Regra do Jogo, Cláudio Abramo frisa que o jornal é do dono, e que cabe ao dono a responsabilidade pelas decisões (acertadas ou desastradas) que toma. Isso parece trivial se referido a qualquer outro ramo de atividade que não o jornalismo. Como Cláudio aponta, jornalista (ou aqueles que ocupam cargos de direção) tende a se considerar um pouco ‘dono’ do jornal em que trabalha. Isso decorre do modo de produção, em que o jornalista conduz uma política editorial acertada (explícita ou, mais comumente, implicitamente) com o controlador.

O jornalismo é também um ofício em que os egos estão sempre muito em jogo. Quando há movimentos de poder dentro de um jornal, é inevitável que os conflitos resultantes atinjam mais fundo as pessoas envolvidas do que ocorre numa corretora de valores ou numa fábrica de caldeiras.

Acredito que em nenhuma outra atividade os movimentos de poder no interior das empresas sejam acompanhados tão avidamente como no jornalismo. Mas no final das contas resta só a regra fundamental do jogo: o jornal é do dono, jornalista é empregado.

******

Diretor-executivo da Transparência Brasil