Saturday, 30 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Morre o ex-presidente do New York Times

Arthur Ochs Sulzberger, o homem que comandou o New York Times por 34 anos e é reconhecido como o principal responsável por transformar o jornal no que ele é hoje, morreu ontem em Southampton, litoral de Nova York, aos 86 anos.

Ele estava afastado desde 2001 e tentava se recuperar de uma longa doença, anunciou a família, sem detalhar.

Comprado pelo avô de Sulzberger em 1896, o Times é a mais bem-sucedida empresa familiar de jornalismo em ação nos EUA, com uma circulação de 1,5 milhão de exemplares. A notícia da morte foi dada à Redação por Arthur Sulzberger Jr., que em 1992 assumiu o lugar do pai como publisher e, em 1997, como chefe do conselho.

“Punch, como todos o conheciam, liderou a New York Times Company por mais de três décadas brilhantemente. Amado pelos colegas, era um dos executivos mais admirados do setor”, escreve o filho.

“Punch, o capitão dos fuzileiros navais que nunca fugia de uma briga, era um defensor feroz da liberdade de imprensa (…) Os Papéis do Pentágono ajudaram a ampliar o acesso à informação crítica e a refrear a censura e a intimidação do governo.”

O caso dos Papéis do Pentágono é visto como o grande legado de Sulzberger, de origem judaica.

A publicação de documentos pelo Times a partir de 1971 expôs os meandros da política americana na Guerra do Vietnã e culminou na Suprema Corte com uma decisão que resguardaria a liberdade de imprensa, apesar da pressão da Casa Branca.

“Foi seu grande momento, o que o definiu, quando ele pegou o fardo de sua herança e seus próprios instintos e conduziu o jornal seguramente no rumo certo”, escreveram Alex S. Jones e Susan Tifft em The Trust, sobre a história do Times.

Carreira

Sulzberger, um veterano da Segunda Guerra (1939-45) e da Guerra da Coreia (1950-53) que atribuía sua disciplina aos fuzileiros, começou como repórter em 1951, e dedicaria toda a carreira à empresa da família, exceto por um ano como repórter no Milwaukee Journal, em 1954.

No Times, foi repórter e correspondente em Paris, Roma e Londres. Formado em história e letras pela Universidade Columbia, tornou-se em 1963, aos 37, seu mais jovem publisher, substituindo o pai, Arthur Hays Sulzberger, que por sua vez sucedera o sogro, Adolph Ochs.

“Você não está comprando um noticiário quando compra o New York Times, você está comprando um parecer”, afirmou certa vez.

Muito presente na Redação, é lembrado por raramente interferir no trabalho de edição. Seu comando foi marcado também pela revitalização financeira e pelas inovações no jornal.

A companhia diversificou seu portfólio com jornais (entre eles o Boston Globe), revistas, estações de rádio e canais locais de TV, embora parte da expansão tenha sido criticada e a maior parte do império já tenha sido vendida.

Entre 1963 e 1997, o New York Times recebeu 31 prêmios Pullitzer, o mais prestigiado do jornalismo nos EUA.

Casado três vezes, Sulzberger teve três filhos e adotou uma enteada. O apelido “Punch”, dado pelo pai na infância, é inspirado em “Punch e Judy”, um casal de personagens infantis britânicos que vive aos tapas.

“Acho que o papel e a tinta prevalecerão para o tipo de jornal que fazemos”, afirmou em uma entrevista ao próprio jornal após se aposentar.

“Não falta notícia no mundo. Se você quiser, pode ir à internet e pegar um monte de porcaria. Mas não acho que a maioria das pessoas tenha competência para virar editor. Ou tempo ou interesse.”

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Punch foi um dos últimos integrantes de espécie em extinção

Sérgio Dávila

Foi durante a gestão de Arthur Ochs Sulzberger que o New York Times se tornou o jornal mais importante do mundo.

Nas quase três décadas em que ele esteve à frente do diário (1963-1992) e da empresa (1963-1997), o jornal norte-americano ampliou e consolidou sua circulação nacional, reforçou sua independência editorial e iniciou inovações como o uso de cor, a ampliação de cadernos e a criação de suplementos.

No período, também, diversificou seus ativos e superou duas crises financeiras, nos anos 60 e 70, sem que a família fundadora perdesse o controle da empresa.

Ao longo das últimas décadas, dívidas e a pulverização dos membros das gerações seguintes à dos fundadores fizeram com que companhias como Knight-Ridder (do Miami Herald, entre outros) e Times-Mirror (do Los Angeles Times) fossem vendidas ou absorvidas pelo mercado e gerenciadas por profissionais sem intimidade com jornalismo, nem sempre com resultados positivos.

Continuaram familiares o próprio New York Times, hoje tocado por Arthur Ochs Sulzberger Jr., 61, e o Washington Post, que tem à frente Katharine Weimouth, 46, neta de Katharine Graham (1917-2001), a publisher icônica do diário que revelou o escândalo do Watergate.

O apelido de infância pelo qual Sulzberger ficou conhecido e de que se orgulhava -”Punch”, soco, em inglês- é a origem, por tabela, do apelido irônico com que críticos chamavam seu filho no começo da gestão sucessória -”Pinch”, beliscão.

Sulzberger foi um dos últimos representantes de uma espécie hoje em extinção nos Estados Unidos, a do publisher todo-poderoso, que se guia principalmente por suas convicções.

(Outro representante seria Rupert Murdoch, 81, da News Corp., proprietária do diário econômico Wall Street Journal. Mas o australiano naturalizado norte-americano é considerado um outsider por seus pares e sofreu um golpe importante com o escândalo dos grampos que espionavam celebridades e autoridades para o “News of The World”, seu tablóide no Reino Unido.)

Punch Sulzberger sabia ainda equilibrar bem as duas pressões às vezes antagônicas que pesam sobre um grande jornal, a do mercado e a de seu papel institucional. Repetia que o segredo da independência editorial era a independência financeira.

Na véspera do episódio conhecido como Papéis do Pentágono, em 1971, advogados do New York Times desaconselharam Punch a seguir adiante com a publicação, segundo escreve Susan Tifft, co-autora de The Trust, livro sobre o jornal. Entre outros problemas, a pressão do governo sobre anunciantes poderia levar a empresa à ruína, acreditavam.

Ele os publicou, o que fez com que a Casa Branca de Richard Nixon tentasse proibir a circulação do jornal. O caso extraiu da Suprema Corte dos EUA uma decisão pró-liberdade de imprensa que sobrevive até hoje e ajudou a elevar o prestígio do Times.

Membro da terceira geração de proprietários do jornal, Punch Sulzberger desmentiu a maldição que ele mesmo gostava de repetir, segundo a qual “a primeira geração constrói, a segunda desfruta e a terceira destrói”.

Ao se aposentar, em 1997, ele passou ao filho o comando de um grupo de comunicações entre os maiores do país, que naquele ano teve um faturamento anual de US$ 2,6 bilhões.

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[Luciana Coelho e Sérgio Dávila são, respectivamente, correspondente em Washington e editor-executivo da Folha de S.Paulo]