Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A falta que ele nos faz

O corpo de Elis Regina repousava no Teatro Bandeirantes, palco de alguns de seus mais brilhantes espetáculos, em São Paulo. Em volta, milhares de pessoas prestavam a última homenagem à magnífica artista.

De repente, vindos do nada, começam a cair confetes em cima do caixão. Houve quem imaginasse um milagre. Não, nada disso: numa das vigas do salão, arrastava-se um cavalheiro gordo e baixinho, com uma imensa câmera e diversas lentes. No Teatro Bandeirantes, onde havia bailes de Carnaval, o confete se amontoava nas vigas, e ao arrastar-se por elas o maluco provocou o milagre.

O maluco, claro, era U. Dettmar – ou, por extenso, Ubirajara Dettmar, um esplêndido fotógrafo, um grande repórter, gente fina. Amigo, alegre, simpático, trabalhador, cooperativo – junte todos os adjetivos favoráveis e surgirá um retrato de Dettmar. Dos salões do Itamaraty, com roupa formal, aos lamaçais da Transamazônica, onde ajudava a desencalhar o carro (não sem antes fotografar o repórter apavorado com a possibilidade de ser atingido por uma queda com derrapagem), Dettmar se sentia à vontade. Fotografou casamentos e enterros, festas de aniversário de parentes, a guerra civil em El Salvador, o ataque americano a Granada, os combates na Nicarágua. Onde e o que não lhe importavam: o que lhe importava era fotografar (e bem), fosse o que fosse.

Uma curiosidade: boa parte da imprensa não suportava o presidente Fernando Collor e seu grupo mais próximo. Dettmar era o fotógrafo oficial da Presidência e a repulsa jamais se estendeu a ele. Até Cláudio Humberto, que fez um trabalho corretíssimo e altamente profissional como chefe da comunicação social de Collor, enfrentou resistências de colegas. Dettmar, jamais.

Dettmar sofria de uma doença rara, excesso de ferro. Isso lhe atingiu o fígado e os rins. Teve de aposentar-se. E morreu há dias, aos 74 anos.

Casado com uma fotógrafa, Sandra Fado, teve três filhos, dois deles fotógrafos, que seguem a trajetória do pai. São ótimos, como o pai; mas não são o pai.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]