Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O importante e o interessante

O respeito ao leitor é o princípio básico do jornalismo. Respeitar o leitor não é só dar o que ele quer, ou acha que quer. É também dar o que ele não sabe que quer.

Como se faz isso? “Nossa missão como editores”, dizia Roberto Civita, “é transformar o importante em interessante”. Claro, se não for interessante, o leitor não vai ler. Não tem por quê. Tanta coisa para fazer, ler, ouvir, assistir, pensar.

O respeito ao leitor implica ética. Como é possível respeitá-lo e não ser ético? Ou enganá-lo? Ou não contar a verdade? Ou não se fazer entender? O leitor compra para saber, não para não saber. Compra para entender, não para não entender.

Se não o respeitamos, como esperar a contrapartida, que ele nos considere fonte de credibilidade?

“Credibilidade”, afirmava Roberto Civita, “leva anos para construir e, às vezes, um deslize para perder”.

Ao mesmo tempo, insistia, “nada mais democrático do que a imprensa”. E explicava: “Somos eleitos a cada edição, quer sejamos diário, semanal, quinzenal, mensal…”. “Pense assim: Basta que decidam não comprar. Ninguém vai às bancas. Ninguém renova assinaturas. Nada, zero. E deixamos de existir'.”

Empenho e contribuição

O grande juiz da qualidade editorial é ele, o leitor. Se ele quer, existimos. Se não quer, desaparecemos. Quem decide não é o governo, o anunciante, o inimigo. Podem atrapalhar, e muito. Mas quem decide é sempre o leitor.

Também não se pode fingir que não é bem assim. Parecer matéria, mas ser anúncio. O contrário é igualmente ruim: parecer anúncio, mas ser matéria.

“Não”, repetia Roberto Civita. “Não se engana leitor”. Nossa função de editores não é enganar. É informar, ajudar a pensar e, se possível, ajudar a viver uma vida melhor.

Parecem lições óbvias, e são. Mas são a base da filosofia editorial da Editora Abril. Foram lançadas intuitivamente pelo fundador da empresa, Victor Civita. Mas viraram prática jornalística sob a inspiração de Roberto Civita.

Há quem ache que as práticas não são bem cumpridas. Mas até respeitar a opinião de quem discorda faz parte dessa prática.

Basta lembrar a missão do grupo, escrita em mármore na entrada do prédio. “A Abril está empenhada em contribuir para a difusão de informação, cultura e entretenimento, para o progresso da educação, a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento da livre iniciativa e o fortalecimento das instituições democráticas do país.”

Roberto Civita editou cada palavra dessa missão. É para isso que ela existe. Para lembrar a todo mundo, todo dia, que não trabalhamos nesse ofício para ter lucro –claro que precisamos ter lucro, senão é impossível até mesmo cumprir a missão.

As palavras-chave são empenho e contribuição. Ou se está empenhado, ou não. E ou se contribui, ou se omite.

Lição lapidar

Quando penso no amigo que se foi nesta semana, lembro-me de como tinha conversa sobre tudo, ou quase tudo.

Sempre interessante, como quando recorria a Shakespeare, por quem tinha paixão. Das coisas que não teve tempo para fazer, uma das mais desejadas era passar um tempo numa universidade inglesa estudando Shakespeare. Interessante, não?

Talvez tivesse tirado daí a preciosa lição de que, no ofício da comunicação, o que devemos buscar mesmo é transformar o importante em interessante.

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Thomaz Souto Corrêa, 74, jornalista, é consultor editorial e membro do Conselho Editorial do Grupo Abril