Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Lições de Gabo aos jornalistas

Se você escolheu o jornalismo por paixão, seguramente já se inspirou pelas palavras de Gabriel García Márquez. Seja pelas linhas de seu realismo fantástico (Cem Anos de Solidão, Crônica de uma Morte Anunciada), seja pela força de seu relato jornalístico com pegada de literatura (Notícias de um Sequestro), seja pelas lições da ”melhor profissão do mundo”, como Gabo, aos 20 anos, costumava chamar o ofício da imprensa.

Nobel de Literatura, García Márquez será lembrado pela maioria como escritor. Mas, para mim e para todos que optaram pelas letras do dia a dia, ele será sobretudo um grandioso jornalista. Começou nas redações aos 19 anos, fez entrevistas memoráveis, escreveu grandes reportagens. Crítico do fazer jornalístico contemporâneo, concebeu a Fundación para el Nuevo Periodismo Iberoamericano, em 1995, em Cartagena das Índias, na Colômbia.

Com base em discursos e artigos dele, reuni alguns dos pensamentos mais emblemáticos do colombiano sobre o jornalismo. Estendo a você o convite permanente do escritor-jornalista a refletir sobre os elementos que devem nortear a nossa profissão:

A vocação: a alma do jornalista

Quem passa horas em portaria de ministério à espera de uma fonte OU sentado em frente a um computador editando…editando…editando, pensando que o leitor merece o melhor texto possível, OU na correria da rua para a redação e vice-versa-vice (!) não faz isso por obrigação.

Jornalismo não é obrigação, não é um trabalho como outro qualquer.

É paixão e quase uma missão.

E, por isso, como García Márquez defendia, o jornalismo não vai entediar nunca aqueles que realmente são ‘vocacionados’.

“Os que não aprendiam naquelas cátedras ambulantes e apaixonadas de vinte e quatro horas diárias [redações], ou os que se aborreciam de tanto falar da mesma coisa, era porque queriam ou acreditavam ser jornalistas, mas na realidade não o eram”, escreveu.

Ser jornalista é estar antenado na realidade, saber o que se passa à sua volta ou, pelo menos, buscar entender.

essa busca, esse interesse por conhecer, por descobrir, por explicar, ele simplesmente existe. Está na alma, na essência de cada um de nós, jornalistas genuínos. Sem floreios nem arrogância.

“Os jovens que saem desiludidos das escolas, com a vida pela frente, parecem desvinculados da realidade e de seus problemas vitais, e um afã de protagonismo prima sobre a vocação e as aptidões naturais. E em especial sobre as duas condições mais importantes: a criatividade e a prática.”

É a prática que vai nos tornando melhores jornalistas. E a certeza de que somos apenas aprendizes, sempre e socraticamente.

A formação: a qualidade do jornalista

Hoje, estamos mergulhados em um ambiente em que grassa informação e falta formação.

Todo mundo tem opinião para tudo – no Facebook e na mesa de bar.

Cuspimos dados, reproduzimos discursos, mas não sabemos exatamente do que estamos falando.

Ao jornalista, cabe ajudar a sociedade a compreender, explicando os processos, o contexto, as diferentes visões.

Mas, para isso, é necessária aos jornalistas “uma base cultural”, amparada na leitura como “vício profissional”, referência perene nos discursos de García Márquez.

Não é o que ele via nos jornalistas de hoje…

“Em sua maioria, os formados chegam com deficiências flagrantes, têm graves problemas de gramática e ortografia, e dificuldades para uma compreensão reflexiva dos textos”, escreveu.

Como solução, o escritor propunha a formação humanística, a leitura e a constante reflexão – de tudo: pauta, apuração, texto.

Assim, seria possível “um aproveitamento crítico das experiências históricas, e em seu marco original de serviço público. Quer dizer: resgatar para a ampredizagem o espírito de tertúlia das cinco da tarde [reunião de pauta na sua época, em que todos descansavam ao mesmo tempo que discutiam calorosamente os temas do noticiário]”.

A ética: a atitude do jornalista

Um dos principais valores da Fundación para el Nuevo Periodismo Iberoamericano é a ética.

García Márquez criticava os jovens multitasking muito preocupados com furo e pouco interessados nos procedimentos para conseguir a notícia com exclusividade.

“Alguns se gabam de poder ler de trás para frente um documento secreto no gabinete de um ministro, de gravar diálogos fortuitos sem prevenir o interlocutor, ou de usar como notícia uma conversa que de antemão se combinara confidencial”, descreveu.

A conduta do repórter é, antes de tudo, uma decisão individual.

Cada um deve questionar-se sempre sobre os limites de sua apuração, até que ponto ir em busca de um dado, uma informação, uma entrevista.

Mas, o colombiano advertia, ética também anda junto com vocação e formação.

“De todo modo, é um consolo supor que muitas das transgressões da ética, e outras tantas que aviltam e envergonham o jornalismo de hoje, nem sempre se devem à imoralidade, mas igualmente à falta de domínio do ofício”, ponderava.

Com essas três lições, García Márquez certamente deixa um legado para todos que estamos, no presente do jornalismo, construindo também o futuro da melhor profissão do mundo.

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Diego Iraheta é jornalista 2.0, editor de Notícias do Brasil Post