Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um jornalista preocupado com os rumos da profissão

“Perguntaram a uma universidade colombiana quais são as provas de habilidades exigidas a quem deseja estudar jornalismo e a resposta foi categórica: ‘jornalistas não são artistas’. Estas reflexões, ao contrário, baseiam-se precisamente na certeza de que o jornalismo escrito é um gênero literário”.

A frase acima abre o discurso “O melhor trabalho do mundo”, proferido por Gabriel García Márquez na abertura da assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada em Los Angeles em outubro de 1996, e resume a relação de Gabo com a grande paixão que nunca abandonou.

Na oportunidade, ele destacou dois dos pilares fundamentais para o exercício da profissão: a certeza de que a investigação não é uma especialidade do ofício, já que todo o jornalismo deve ser investigativo por definição, e a consciência de que a ética é uma companheira inseparável.

García Márquez pisou pela primeira vez numa redação aos 22 anos, quando ainda era aluno de Direito, em Bogotá. Nunca terminaria o curso apesar do desejo dos pais. No “El espectador”, tornou-se o primeiro crítico de cinema do jornalismo colombiano e se notabilizou por suas crônicas e longas reportagens.

Uma delas, “Relato de um náufrago”, desagradou ao governo do general Rojas Pinillas e Gabo foi enviado como correspondente para a Europa. Na volta, viveu em Caracas, Havana e Nova York, onde assumiu a direção da agência de notícias cubana Prensa Latina. Contudo, após sofrer perseguições do governo americano, mudou-se para a Cidade do México, onde viveu até sua morte.

Em uma entrevista para a revista “The Paris Review”, em 1977, García Márquez foi questionado sobre sua volta ao jornalismo depois de ser consagrado como escritor. Na resposta, ele afirma que sempre esteve convencido de que “minha verdadeira profissão é a de jornalista” a aponta de que forma as duas atividades se influenciaram mutuamente.

“A ficção ajudou meu jornalismo pois trouxe para ele valor literário. Jornalismo ajudou minha ficção porque me manteve numa relação muito próxima com a realidade”.

O Gabo jornalista detestava gravadores (“tenho a impressão de que muitos acreditam que o gravador pensa”, disse certa vez) e era um obcecado pela exatidão das informações. Nelson Fredy, jornalista colombiano, relembra que, em 1999, ajudou o amigo a terminar uma de suas crônicas mais famosas, “El enigma de los dos Chávez”, publicada pela “Revista Cambio”. O escritor pediu que descobrisse até a cor do uniforme do paraquedista venezuelano numa cerimônia militar.

Crítico da formação oferecida pelas escolas de jornalismo, cujos “alunos saem desligados da realidade e de seus problemas fundamentais”, García Márquez criou em outubro de 1994 a Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI) em Cartagena, na Colômbia. Sempre preocupado com a qualidade do jornalismo, a FNPI tem como objetivo incentivar vocações, a ética e a boa narrativa.

Presidida pelo próprio Gabo e dirigida por Jaime Abello Banfi desde o início, a organização já promoveu centenas de cursos, palestras e oficinas em toda América Latina com nomes consagrados do jornalismo, como Tomás Eloy Martínez e Jon Lee Anderson.

No fim de 2012, a FNPI publicou o livro “Gabo, periodista”, uma reunião dos seus melhores trabalhos jornalístico. Sobre a obra, o amigo e jornalista argentino Alberto Salcedo Ramos escreveu:

“García Márquez aprendeu muito rápido que as informações básicas não contam toda a verdade: é necessário recriar a atmosfera, explorar a psique dos personagens, buscar o detalhe”. Em suma, ir além do óbvio, onde Gabo sempre foi.