Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O amigo que não está mais lá

Por um momento vou imaginar que me encontro à espera de meu amigo Wladir Dupont num barzinho qualquer para falar da vida. Fizemos isso uma porção de vezes e, em tal sentido, a hipótese não está distante da verdade. O diabo é que volta e meia outros entravam na parada e o bate-papo se diluía, chegando em diversas oportunidades, por exemplo, até à política. Também não íamos muito longe, já que foi um hábito, uns bons anos atrás, almoçarmos aos sábados ou tomarmos um chope às sextas para

matarmos as saudades de nossos anos como jornalistas sempre interessados mais pela cultura do que por qualquer área diferente. Aí o xará – sempre nos chamávamos assim – pontificava, não por proselitismo ou coisa parecida e, sim, por deliciosas afirmações definitivas sobre o cinema dos anos 40, 50 ou, no máximo, 60 – sim, porque o moderno não fazia sua cabeça – e sobre literatura, especialmente a norte-americana e aquela em língua espanhola, de que chegou a traduzir um bom número de livros.

Depois de uma primeira troca de palavras sobre temas gerais, partíamos sistematicamente para papos generalizados sobre as dificuldades de viver de cultura em nosso país e aí, sim, ficávamos realmente tristes. Dupont principalmente, creio eu, porque, mais do que um belo jornalista e um excelente tradutor, a ficção era no fundo seu verdadeiro caminho, que ele seguiria com o maior prazer se lhe fossem apresentadas condições positivas. Eu próprio tive o prazer de convidá-lo para que, com sua história curta Alma Martínez, participasse da coletânea Isto o jornal não conta, editada pela Vertente quando militávamos na mesma redação durante a ditadura militar. Depois, ele passou a escrever saborosas crônicas para a extinta Folha da Tarde.

As traduções, que o tornariam, afinal, bastante conhecido, possibilitaram, em minha opinião, que se acomodasse numa espécie de zona de conforto, uma vez que que passaria a traduzir para grandes editoras nacionais dezenas de livros em que naturalmente se achavam alguns grandes da literatura, além do mexicano Octavio Paz, de saudosa memória. Daí que fica claro para mim que, ao contrário do que pensam alguns, ele pôde conviver de uma forma bem próxima com os autores de sua predileção, como um Faulkner, entre tantos, decerto o maior prazer de sua existência.

Desculpe-me por este momento de franqueza ou de coragem. Queiram os não as pessoas, Wladir Dupont há de fazer uma falta danada.

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Wladyr Nader é jornalista, escritor e professor da PUC-SP