Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma frase para explicar os destinos de avô e neto

Fui assessor de imprensa de Miguel Arraes durante menos de 24 horas: das 7 horas da noite de 31 de março às 4 da tarde de 1° de abril de 1964. Saí diretamente de meu trabalho na Sudene (onde editava as revistas técnicas) e fui ao Palácio das Princesas ver como estava a situação. O pessoal da assessoria de imprensa não estava e eu combinei com Arraes que me encarregaria dessa área até o titular aparecer.

Isso não aconteceu. Só saí do palácio no fim da tarde do fatídico 1º , quando comandantes militares ordenaram que todos saíssem, exceto o Governador, sua família e auxiliares diretos.

Saí acompanhando Celso Furtado e, depois, fui diretamente encontrar companheiros da Sudene, para fazer o que deve ter sido o primeiro jornal clandestino de oposição à ditadura. Impresso em mimeógrafo e com o título Resistência, a manchete da primeira e última edição já saiu atrasada: “Arraes resiste”. O ex-governador estava preso e a caminho do presídio na ilha Fernando de Noronha.

Também fui preso nessa madrugada, com outros companheiros, distribuindo o jornal. Só me soltaram em novembro de 1964, assim mesmo graças a um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal.

Primeira coisa

Fui rever Arraes em 1969, quando, trabalhando na revista Realidade, passei pela Argélia e pedi sua ajuda para me arranjar um contato com o grupo palestino El Fatah, sobre o qual eu iria escrever uma reportagem. Arraes me ajudou, graças a suas boas relações com o governo de Ben Bella e, em nossos papos, trocamos previsões pessimistas sobre o que ocorria e ainda ocorreria no Brasil. Mas o tom da despedida foi de esperança, de que o próximo encontro já seria no Brasil.

Logo após a anistia e seu retorno, Arraes reuniu cinco jornalistas amigos e pediu nossas opiniões, embora rigorosamente não tenha seguido nenhuma delas.

Na verdade, só comecei a entender Arraes quando, 20 anos mais tarde, como diretor do jornal Diário de Alagoas, entrei num avião, vindo do Rio, para ir de Maceió a Recife. Minha poltrona era exatamente diante daquela em que estava Arraes, também a caminho de Recife. Eram mais de 11 da noite, ele já tinha bebido muito uísque e trocamos poucas palavras até porque nossas poltronas não ajudavam a conversa.

Mas, quando o avião pousou, ambos levantamos e trocamos um longo abraço. Caminhamos até a porta e, quando ela se abriu e já podíamos ver as várias dezenas de amigos que o esperavam, voltamos a nos abraçar e ele me repetiu uma frase que já dissera em Argel, resumindo os planos para o retorno ao Brasil: “Você sabe, Milton, a gente faz sempre o que tem de fazer”.

E foi isso a primeira coisa que pensei quando um amigo me contou a tragédia de Eduardo, no mesmo 13 de agosto que já levara seu avô, para fazer algo que ninguém mais compreenderia: por que ele tinha de estar voando em Santos numa manhã de tanta chuva e vento?

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Milton Coelho da Graça é jornalista