Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Morre o jornalista que derrubou Nixon

Ben Bradlee, o incisivo editor que reinou no “Washington Post” com o estilo de um elegantemente vestido rufião espadachim e o vocabulário profano de um estivador quando o jornal ajudava a derrubar o presidente americano Richard Nixon, morreu na terça-feira aos 93 anos.

A morte de Bradlee, em sua casa em Washington por causas naturais, foi anunciada pelo “Post”, que no mês passado informou que ele havia sido internado em um asilo para cuidados especiais, após sofrer da doença de Alzheimer há vários anos.

Como editor-executivo, de 1968 até 1991, Bradlee tornou-se uma das mais importantes figuras em Washington, entrando na história do jornalismo, tendo transformado o “Post” de um jornal vespertino sóbrio e anódino, numa das publicações mais dinâmicas e respeitadas nos EUA.

O trabalho de Bradlee ao orientar os jovens repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein depois que os dois jornalistas identificaram uma ligação entre uma invasão, em 1972, da sede do Partido Democrata no complexo de escritórios e apartamentos Watergate à Casa Branca de Nixon foi celebrado, de escolas de jornalismo a Hollywood.

O Post ganhou um prêmio Pulitzer pela cobertura do escândalo, e obrigou Nixon a renunciar à presidência sob ameaça de impeachment em agosto de 1974.

Bradlee autorizou Woodward e Bernstein a investigarem vigorosamente o escândalo e seu acobertamento pelo governo. O jornal publicou 400 artigos sobre Watergate ao longo de mais de 28 meses.

“Garganta Profunda”

A cobertura do “Post” – juntamente com o livro e o filme “Todos os Homens do Presidente” – inspirou uma geração de jornalistas investigativos.

“Eu acho que a grande lição de Watergate foi, provavelmente, a mescla de intuição e persistência do Post”, disse certa vez Bradlee ao American Journalism Review. “O fato de termos nos entrincheirado e apostado no cavalo certo. Acho que foi também uma lição maravilhosa para editores”.

Incomodar presidentes foi uma característica de Bradlee. Em 1972, o “Post” posicionou-se ao lado do “New York Times”, publicando artigos baseadas nos “Pentagon Papers”, uma compilação secreta, pelo governo, de documentos e análises sobre decisões referentes à Guerra no Vietnã, apesar de vigorosas pressões da Justiça. O Post também revelou detalhes sobre o escândalo Irã-Contras que abalaram a Casa Branca de Ronald Reagan.”Eu acho que isso mostra que o sistema (de livre de imprensa oposicionista) funciona”, disse Bradlee. “É um maravilhoso controle sobre governos que não são tão cuidadosos em policiarem a si mesmos”.

Bradlee manteve uma estreita amizade com um presidente: John F Kennedy. Este havia sido seu vizinho no bairro de Georgetown, em Washington, quando era correspondente da revista “Newsweek”. Em 1975, escreveu um livro intitulado “Conversations With Kennedy”. Bradlee disse que nunca soube dos casos amorosos de Kennedy – por exemplo, sobre um caso do presidente com Judith Exner, uma mulher acusada de manter ligações com o crime organizado.

Bradlee mais tarde disse que se tivesse descoberto os fatos, teria sido obrigado a expor essa ligação, o que provavelmente destruiria a amizade com Kennedy.

Sempre elegantemente vestido com roupas caras, era uma figura exuberante na redação do “Post”, de comportamento impetuoso e rude, inteligência afiada e atrevida. Bernstein disse à CNN que Bradlee foi “a figura mais notável e galvanizadora com quem, e para quem, alguém poderia trabalhar.

Bradlee era também conhecido pela maneira franca como se expressava. “Uma das primeiras coisas que a gente nota em Ben, tanto em seus textos como em sua maneira de falar, é o seu vocabulário, seu pendor por frases lapidares e corrosivas”, escreveu Jeff Himmelman em sua biografia “Yours in Truth”. “Os palavrões usados por Ben fazem a gente sentir-se parte do clube dele, o clube que não leva nada demasiadamente a sério”.

Bradlee também era uma presença constante no circuito social em Washington, com sua terceira esposa, Sally Quinn, uma ex-repórter do “Post” 20 anos mais jovem do que ele.

Benjamin Crowninshield Bradlee nasceu em Boston em 26 de agosto de 1921, em uma família aristocrática. Estudou em Harvard e serviu em um navio da Marinha no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, antes de fundar um jornal em New Hampshire, em 1946. Sua carreira no “Washington Post” começou em 1948 como repórter policial.

Deixou o jornal para tornar-se adido de imprensa da embaixada dos EUA em Paris, tendo depois sido correspondente da revista “Newsweek” e chefe da sucursal da revista em Washington. Ele retornou ao “Post”, foi nomeado seu editor-chefe em 1965 e editor-executivo em 1968, até a aposentadoria, em 1991.

Quando ocorreu o arrombamento no complexo Watergate e o fato foi desqualificado pela Casa Branca, descrito como algo trivial, Bradlee ficou cético diante dos esforços investigativos de Woodward e Bernstein.

Mas depois que percebeu que eles estavam diante de algo grande – que os invasores eram empregados pelo comitê de reeleição presidencial de Nixon – ele incentivou os repórteres.

A publisher e dona do “Post” Katharine Graham apoiou Bradlee quando o governo Nixon tentou abafar a publicação dos “Documentos do Pentágono” e o apoiou novamente quando ele incentivou Woodward e Bernstein a aprofundar a investigação envolvendo Watergate.

“É maravilhosamente irônico que um homem que tanto detestava – e nunca compreendeu – a imprensa tenha contribuído tanto para engrandecer a reputação da imprensa, e especialmente o ‘Washington Post’”, escreveu Bradlee na introdução de seu livro de memórias, “A Good Life”.

Woodward, Bernstein e Bradlee eram as únicas pessoas no “Post” que conheciam a identidade de “Garganta Profunda”, a fonte que revelou ao “Post”, em encontros clandestinos, segredos do ocultamento do caso Watergate por Nixon.

Mark Felt, ex-segundo homem na hierarquia do FBI, revelou, em 2005, que era o “Garganta Profunda”, mas Bradlee disse não ter indagado seus repórteres sobre a identidade da fonte até que Nixon tivesse renunciado.

“Verdadeiro jornalista”

Bradlee também estava no comando do “Post” quando sofreu um grande embaraço. Em 1981, o jornal devolveu um prêmio Pulitzer vencido por Janet Cooke após a descoberta de que o artigo da repórter sobre uma criança de oito anos viciada em drogas fora inventada.

Sob o comando de Bradlee, a equipe do “Post” dobrou, para 600 profissionais, aumentou o orçamento para cobrir notícias de US$ 3 milhões para US$ 60 milhões e ampliou a circulação de 446 mil leitores para 802 mil.

O presidente Barack Obama concedeu a Bradlee a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior honraria civil da nação. “Verdadeiro jornalista, ele transformou o Washington Post em um dos melhores jornais do país e, com ele no comando, um crescente exército de repórteres publicou os “Documentos do Pentágono”, expôs Watergate e publicou relatos que precisava ser contados – reportagens que nos ajudaram a compreender nosso mundo e a nos compreendermos um pouco melhor”, disse Obama em uma declaração.

Bradlee deixou quatro filhos de três casamentos.

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Bill Trott, da Reuters, em Washington