Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ex-líder comunista morre aos 96 anos

O mesmo pulmão doente que o levou à União Soviética para um tratamento médico bancado pelo Comintern (Internacional Comunista) no início dos anos 1950, proporcionando-o uma longa estadia em Moscou, fez Armênio Guedes baixar ao hospital, no final de fevereiro, por causa de uma infecção.

Aos 96 anos e sofrendo lapsos na memória, o jornalista e ex-dirigente do PCB (Partido Comunista Brasileiro) passou seus últimos momentos internado, relembrando da infância na Bahia.

Na madrugada desta quinta (12), à 1h35, Armênio morreu no Hospital Samaritano, em São Paulo, vítima de uma parada cardiorrespiratória. Estava ouvindo música, uma de suas grandes paixões.

Nascido no município baiano de Mucugê, Chapada de Diamantina, um ano depois da Revolução Soviética de 1917, Armênio dedicou quase meio século de vida à causa comunista.

Influenciado pela família, iniciou a militância em Salvador, em 1935, meses antes da Intentona Comunista, o fracassado levante liderado por Luís Carlos Prestes que visava derrubar Getúlio Vargas.

Seria a primeira das inúmeras divergências entre os dois.

Secretário de Prestes anos depois, Armênio entraria em constante atrito com a maior liderança comunista do país, sempre contrariado com a ortodoxia soviética do colega.

Definido certa vez como um “comunista sem pressa”, Armênio era um defensor no partido das alianças políticas e da democracia. Ele exerceu grande influência intelectual nos jovens que orbitavam o PCB nos anos 1960 e 70.

Durante a ditadura, exilado na América Latina e depois na Europa, distanciou-se da linha adotada por Prestes, optando pela democracia socialista. Eram tempos do eurocomunismo preconizado pelo Partido Comunista Italiano.

Entre 1945 e 1983, quando deixou o PCB, Armênio viveu –algumas vezes clandestino– com um salário do partido. Só aos 64 anos ele iria abrir sua primeira conta bancária.

Longe da vida partidária, Armênio Guedes retomou o ofício de jornalista, que iniciou nos tempos de militante, e trabalhou nas redações da revista “IstoÉ” e do jornal “Gazeta Mercantil”.

Após 48 anos de militância, ele fazia troça ao dizer que, do comunismo, a única recordação que tinha era uma taça roubada da datcha (casa de campo) de Stálin, morto em 1953 quando o brasileiro ainda tratava do pulmão em Moscou.

Armênio, que não teve filhos, deixa a viúva, Cecília, e incontáveis amigos. Seu corpo foi cremado na tarde de ontem, em São Paulo.

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Lucas Ferraz, da Folha de S.Paulo