Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A última piada do humorista judeu

Nossas livrarias agora exibem biografias, antigamente eram escondidas, consideradas acadêmicas. Algumas biografias nacionais até tornaram-se best-sellers, mas o nosso biografismo (ou aptidão para reviver vidas) continua claudicante. Sobretudo o biografismo jornalístico, que também se expressa através dos obituários – já que a morte é, ironicamente, uma das oportunidades para desvendar histórias de vida.


Na pressa de registrar aqueles que chegaram à eternidade, enterram-se detalhes importantes, às vezes cruciais dos falecidos. Sobretudo quando se trata de celebridades.


Luiz Weis e Mauro Malin chamaram a atenção neste Observatório para o burocratismo dos títulos das primeiras matérias a respeito da morte do humorista Cláudio Besserman Viana, o Bussunda, e também a ausência de informações sobre a sua família, especialmente a sua mãe, a psicanalista Helena Besserman Viana, conhecida internacionalmente pela bravura em denunciar a conexão do psicanalista Amílcar Lobo com a repressão durante a ditadura. [ver ‘Um caso de falta de sintonia, três de falta de imaginação‘ e o tópico ‘A família Bussunda‘].


A informação é relevante, revela o ambiente político onde viveu o humorista. Mas o sobrenome da mãe acrescenta um dado precioso para um futuro Bildungsroman (romance da formação): Helena Besserman, filha de imigrantes judeus, estudou em escolas judaicas do Rio de Janeiro, freqüentou clubes e organizações culturais da comunidade.


História incompleta


Claudinho (como era chamado) ganhou a alcunha que o celebrizou nacionalmente no Kinderland (País das Crianças), a colônia de férias do grupo progressista do judaísmo carioca (que ele freqüentou junto com outros Cassetas). Foi membro do Hashomer, da linha sionista-socialista.


Pode ser que a sua arte de fazer rir tenha sido fabricada pela irreverência carioca, mas outra parte dos seus chistes vem de mais longe – da irrefreável e penosa compulsão de gozar a todos, inclusive a si mesmo, vulgarmente conhecida como ‘humor judaico’.


Não se trata de interpretação post mortem, é uma avaliação dele mesmo, em vida. Bussunda considerava-se herdeiro dos humoristas e comediantes judeus e assumia-se como judeu. Não importa se a matriz era Woody Allen ou Groucho Marx, importa é a condição judaica que jamais escondeu e a forma através da qual ela se manifestou.


É lamentável que este traço marcante da sua biografia tenha sido desconsiderado pelas empresas para as quais trabalhava. Não fosse uma discreta referência na crônica de Luis Fernando Verissimo (O Globo e Estado de S.Paulo, segunda, 19/6) e um comunicado fúnebre da Federação Israelita do Rio de Janeiro, Bussunda passaria à posteridade com apenas uma parte da sua história revelada.


A outra parte certamente está rindo daqueles que não quiseram conhecê-lo por inteiro.


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Altos e baixos do sexo


Bussunda


Copyright Jornal do Brasil, 27/5/2001; artigo recolhido pelo historiador Fábio Koifman


Quando recebi o telefonema do JB, me pedindo para fazer um resenha de Neurótica – Autores judeus escrevem sobre sexo, lançado na Bienal do Livro, fiquei animado. Por coincidência eu já estava lendo o livro, sou judeu, sou autor e faço sexo (não necessariamente nesta ordem). Não sabia por qual dos motivos tinham me chamado, mas quando me comunicaram quanto me pagariam pelo texto, ficou claro que não fui escolhido por ser judeu…


O primeiro conto, ‘A prostituta com cabeça’, do Woody Allen, vale o preço do livro. É a história de um sujeito que, insatisfeito com o nível do papo com a esposa, contrata um serviço de ‘prostituição intelectual’. ‘Quero dizer, minha mulher é legal, não me entenda mal. Mas ela não vai discutir Proust comigo. Ou Eliot. Não desejo qualquer envolvimento – quero uma rápida experiência intelectual e depois que a garota vá embora. Eu sou um homem bem casado’ – diz Word Babcock, o personagem chantageado por uma dessas cachorras letradas, que ameaça contar tudo para sua mulher. Em tempo, ‘prostituição intelectual’, neste livro, não tem nada a ver com intelectual baiano apoiando o ACM…


Depois vem ‘O oitavo dia’, de Max Apple. É uma história divertida de um sujeito que tem uma namorada fanática em terapia de regressão, mas, enquanto ela consegue se transportar até o útero materno, o jovem judeu só regride até o dia da circuncisão. Os dois acabam procurando o médico que fez a circuncisão original e nosso herói fica nu, em cima da mesa de jantar do cara, para reviver a experiência. O conto é bom, mas, vem cá, desde quando circuncisão é sexo? Neguinho tem cada tara!


E aí é que mora o problema. O livro desfia uma incontável lista de taras e perversões que, a partir de um certo momento, começam a parecer todas iguais. Como todo livro de contos, tem altos e baixos. Como todo sexo, tem uns que dão muito prazer e outros que passam quase despercebidos. Mas difícil mesmo é tentar entender que ligação existe pelo fato de os autores serem judeus. Nesse sentido, o livro acaba funcionando como uma bandeira contra o racismo e a intolerância. Mostra que os judeus são um povo como qualquer outro, com autores brilhantes e autores medíocres. Mostra que os judeus não fazem sexo nem falam de sexo melhor nem pior do que ninguém.


Conclui-se que o fato de serem autores judeus é apenas uma boa estratégia de mercado. Estratégia que se completa quando o livro vem com aquele adesivo na capa, sinalizando o desconto de vinte por cento… [Bussunda é humorista]