Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Desaparece um dos últimos jornalistas românticos

Com o falecimento de Edmundo (“Dedé”)de Castro, ocorrido na madrugada de segunda-feira (9/2), desaparece um dos últimos ícones da geração genial e romântica do jornalismo cearense. Para mim, baseado na vivência que tive com cada um deles, os seis grandes foram, por ordem alfabética: Durval Ayres, Edmundo de Castro, Fenelon de Almeida, J. C. de Alencar Araripe, Moraes Né e Odalves Lima. Houve outros grandes jornalistas desse período, claro, mas estou a referir-me apenas aos que tive a honra e o prazer de conviver pessoalmente.

Dos seis citados, três – Durval Ayres, Moraes Né e Odalves Lima – eram egressos de O Democrata, jornal do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se consagraram depois no jornal O Povo. A escola da esquerda que ainda pontifica até hoje nesses inglórios tempos de “nova direita”.

Dedé de Castro era um ex-udenista (simpatizante do antigo partido União Democrática Nacional-UDN), posteriormente convertido ao marxismo e ao PCB. Perambulou (o verbo é esse mesmo, porque ele não era de esquentar lugar e engolir sapos) em todos os jornais de Fortaleza.

Durval Ayres era também e escritor consagrado, membro da Academia Cearense de Letras, editorialista de Gazeta de Notícias e O Povo. Um grande romancista, de espírito generoso e desprendido.

Fenelon Almeida, também escritor, era esquerdista cristão e, nos seus últimos anos, voltado mais para a doutrina espírita, sem jamais abandonar a defesa das causas sociais. Com este convivi mais de perto – foi meu chefe no antigo Departamento de Pesquisa de O Povo – e com ele hauri inesquecíveis lições.

Moraes Né era outro titã do jornalismo cearense. Dotado de impressionante cultura, escrevia sobre qualquer assunto com grande conhecimento de causa. Tinha temperamento explosivo, mas era homem pacato, simples, generoso e sempre disposto a ajudar os que se iniciavam na profissão. Foi o primeiro jornalista cearense a tratar com seriedade do problema do meio ambiente no Ceará. Mas era perfeito em tudo o que fazia.

Odalves Lima, que se destacava como editorialista também no O Povo, tinha um dos melhores textos do Brasil, sem exagero. Um ás das “pretinhas” (gíria usada para designar as letras das velhas, hoje peças de museu, máquinas de escrever).

J. C. de Alencar Araripe destoa do sexteto em termos ideológicos, não de competência e honradez: era, digamos, um centro-direitista, mas sempre valoroso e íntegro, que sabia reconhecer qualidades nos colegas dos quais ele discordava. Fez toda sua carreira no O Povo. Com ele, meu chefe superior (Fenelon era chefe imediato), aprendi ensinamento que nunca esqueço: “Tudo pode ser dito. Depende da maneira com que você diz”.

Mestre do jornalismo

Parafraseio Shakespeare (Júlio César, no discurso de Marco Antônio) e digo: “Perdoai-me, mas tenho o coração neste momento, no ataúde de Dedé de Castro (Marco Antônio, no texto shakespeariano, referiu-se a César); é preciso calar até que ao peito ele me volte”.

Edmundo de Castro antes de eu sonhar em ser jornalista. Em 1968, eu com 18, 19 anos, no meu primeiro emprego: operador de telefones da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos (ECT), ainda com cara de DCT (Departamento dos Correios e Telégrafos), mas a mudança formal de repartição pública para empresa estatal já havia se realizado.

Tomei susto ao tomar conhecimento que, a meu lado, trabalhava, na mesma função, um jornalista consagrado, autor de reportagens famosas e ganhador de vários prêmios de jornalismo. Era o Dedé de Castro, na época um quarentão. O setor: a Radiofonia da ECT. Era difícil (como ainda é hoje sobreviver apenas com salário de jornalista). Não havia discagem direta à distância e as ligações eram feitas pelos Correios, em turmas divididas em três turnos: manhã, tarde de noite, ligadas à central no Rio de Janeiro. Éramos da turma da noite. Chamava-me a atenção a maneira altiva com que Dedé tratava os colegas cariocas (alguns, não todos, eram meio boçais), com os quais nos comunicávamos para completar as ligações.

Reencontrei-o dois anos depois no jornalismo, mais famoso ainda. Passamos então a conviver com mais frequência, principalmente nos bares de Fortaleza. Nas conversas, no meio das quais ele se autodenominava Dedé Beira D’Água, aprendi a admirar aquele cidadão de Itapipoca, mais precisamente do Córrego dos Cajueiros, lugar que ele sempre fazia questão de citar. Gostava de repetir o verso da canção “Argumento”, de Paulinho da Viola: “Sem preconceito, sem mania de passado, sem querer ficar do lado de quem não quer navegar”. Eu vibrava com os prêmios por ele conquistados (foram muitos). Em 1987 ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (o Nobel da imprensa brasileira) com a série “O Nordeste por trás das grades”, publicada no Diário do Nordeste.

A convivência se tornou maior quando fundamos, em 1977, o jornal alternativo Mutirão, juntamente com Francis Vale, Célia Guabiraba, Gervásio de Paula, Maria Luiza Fontenele, Rosa da Fonseca, Luiz Carlos Antero, Agamenon Almeida, Silas de Paula e outros. Edmundo de Castro assinava a coluna O Cacete do Dedé. Incomodava muita gente (os poderosos e os coleguinhas petulantes eram seu alvo predileto). Mutirão era mais influenciado pelo pessoal do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), embora abrigasse pessoas de outras tendências.

Em 1985, novo reencontro: desta vez no Diário do Nordeste, onde ele era pauteiro. Dedé foi um mestre do jornalismo, um guru, e nessa condição, teve discípulos, entre os quais eu também me incluo, juntamente com Francisco Bilas (falecido), Carlos Alberto Alencar, Neno Cavalcante, Mozarly Almeida e muitos outros.

Nesses intervalos de locais de trabalho, sempre frequentava, periodicamente a casa de Dedé de Castro nas Damas, perto da Casa do Português, onde vivia ao lado da esposa, dona Nenen, e do filho Paulo Afonso, quando este era solteiro.

Dedé de Castro foi e sempre será um dos meus tipos inesquecíveis. Adeus, amigo.

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Paulo Verlaine Coelho é jornalista, diretor da Associação Cearense de Imprensa (ACI) e diretor de Acervo e Memória da Associação Anistia 64-68