Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O poeta do rock brasileiro

Há vinte e cinco anos, no dia 7 de julho, falecia Agenor Araújo de Miranda Neto, mais conhecido como Cazuza, um dos maiores nomes do rock brasileiro. Cazuza iniciou sua carreira musical em 1982, na banda Barão Vermelho. Com o Barão, ele gravou três álbuns, lançando alguns clássicos do rock nacional, como “Bete balanço”, “Pro dia nascer feliz” e “Por Que a gente é assim?” Em 1985, por causa de divergências musicais, Cazuza anunciava sua saída da banda para seguir uma breve, porém profícua, carreira solo (gravaria cinco discos em apenas quatro anos).

Concomitante à sua nova empreitada musical, surgiam os primeiros diagnósticos revelando que Cazuza havia contraído o vírus HIV, causador da Aids. A enfermidade não marcaria apenas a vida pessoal do cantor; também seria responsável por uma guinada em sua carreira. O cantor de rock cedia lugar ao artista maduro e eclético, que soube registrar como poucos os principais acontecimentos de seu tempo. Músicas como “O Tempo Não Para”, “Brasil” e “Burguesia” refletem não apenas as angústias enfrentadas pelo cantor. Retratam de forma fidedigna como era o contexto brasileiro do final da década de 1980, período marcado por grande instabilidade política e econômica. Em “O Tempo Não Para”, Cazuza mandava um recado para a imprensa sensacionalista que já o dava como morto, “mas se você achar que eu estou derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados, por que o tempo, o tempo não para”, dizia o compositor.

Já no samba-rock “Brasil”, Cazuza conseguiu descrever de forma singular a grande corrupção e o clima de impunidade que imperavam no país. “Brasil! Mostra tua cara. Quero ver quem paga. Pra gente ficar assim. Brasil! Qual é o teu negócio? O nome do teu sócio? Confia em mim”. Não por acaso, a música, em versão gravada por Gal Gosta, foi tema de abertura da telenovela Vale Tudo, trama que tinha como principal temática se valia a pena, ou não, ser honesto no Brasil. Cazuza ainda criticou veementemente o mimetismo e o antinacionalismo da elite brasileira. “A burguesia não tem charme nem é discreta. Com suas perucas de cabelos de boneca. A burguesia quer ser sócia do Country. A burguesia quer ir a Nova York fazer compras. A burguesia é a direita, é a guerra.”

Em “Ideologia”, o compositor retratou (antecipando-se aos grandes teóricos da pós-modernidade) as transformações do mundo pós-Guerra Fria, época marcada pelo enfraquecimento das ideologias e por grandes incertezas. “As ilusões estão todas perdidas, os meus sonhos foram todos perdidos. Ideologia, eu quero uma pra viver”. Pode-se questionar a maneira como Cazuza conduzia a sua vida privada. Entretanto, não cabe a nós examinar aspectos pessoais de um artista, mas analisar a qualidade de sua obra. Nos tempos atuais, em que “cantores de uma música só” são alçados ao status de grandes ídolos nacionais, é sempre interessante relembrar obras contundentes e atemporais, como foi a música de Cazuza.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG