O Observatório da Imprensa abriga um extenso acervo de 22 anos de crítica de mídia no Brasil a partir do gesto inaugural do jornalista Alberto Dines que, em parceria com o então reitor da Unicamp Carlos Vogt, deu origem a criação de um espaço autônomo e plural de crítica do jornalismo. Na mesma Universidade onde o projeto do Observatório nasceu junto ao Labjor – Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo- foi lançada, na semana passada, a compilação “Observatório da Imprensa – Uma antologia de Crítica de mídia no Brasil de 1996 a 2018”, organizada pelos jornalistas Pedro Varoni e Lucy Oliveira e publicada em formato e-book pela editora Casa da Árvore. O lançamento fez parte do Simpósio do Projor – Instituto para o desenvolvimento do jornalismo durante o 5º Encontro de Divulgação de Ciência e Cultura.
Os jornalistas Pedro Varoni e Lucy Oliveira se debruçaram sobre o acervo de textos, programas radiofônicos e de TV para organizar a antologia publicada e disponibilizada para download nesta edição . Tiveram ajuda no processo de pesquisa de Luiz Egypto — editor do observatório durante dezoito anos ( 1998-2015) — e dos jornalistas Norma Couri e Alberto Dines.“ Ler e escolher não foi uma tarefa fácil. Certamente, textos importantes ficaram de fora de nossa coletânea, um indicativo da necessidade de novas pesquisas sobre a memória do Observatório”, escreveram os organizadores no texto de apresentação do ebook.
A antologia é dividida em cinco capítulos. O primeiro faz uma breve genealogia da crítica de mídia no Brasil a partir da trajetória de Alberto Dines. O segundo demonstra como o Observatório se constituiu como espaço de referência crítica no contexto da transição entre o primeiro e o segundo mandatos de Fernando Henrique Cardoso, tratando de temas como a regulação da mídia, os silenciamentos e erros do jornalismo, bem como o incremento de uma ordem da espetacularização da vida pública. No terceiro capítulo, relativo aos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, a ênfase foi nas alterações geopolíticas mundiais, em fatos que marcaram a vida nacional, bem como na relação entre mídia e governos.
No capítulo quarto, os textos da antologia refletem um país e o mundo em ebulição, no período entre 2011 e 2016, correspondente ao período governado por Dilma Rousseff. As manifestações populares nos grandes centros urbanos, as denúncias de corrupção dão o tom de uma época em que o jornalismo se viu desafiado pelo real histórico. No último capítulo, o quinto, a ênfase das reflexões publicadas pelo Observatório recai sobre dilemas éticos na cobertura da Lava Jato, a intolerância nas redes sociais e os novos desafios trazidos pelo ecossistema da desinformação.
O time de articulistas presente na antologia reúne, além do grupo mais próximo ao Observatório como o próprio Alberto Dines, Caio Túlio Costa, Carlos Eduardo Lins da Silva,Eugênio Bucci Mauro Malin, Carlo Vogt, Carlos Castilho, Celestino Vivian, Angela Pimenta, Adriana Garcia, Francisco Belda, Luiz Egypto e Norma Couri, expressões como o escritor colombiano Gabriel Garcia Marques e os professores Renato Janine Ribeiro e Muniz Sodré, dentre outros. Em entrevista aos organizadores da antologia, Luiz Egypto sintetiza o espírito do Observatório como espaço participativo de crítica de mídia. “Só não publicávamos textos apócrifos, ofensas pessoais, manifestos, pedofilia e qualquer tipo de intolerância (racismo, antisemitismo, machismo). Mesmo que discordássemos, tudo que tinha a ver com crítica de mídia era publicado, nos tornando o maior fórum de discussão de comunicação no país, mesmo que fosse crítica a nós mesmos.” Aspectos como a regulação da mídia, a influência da internet nos novos ecossistemas midiáticos , a emergência da desinformação em rede permeiam o conteúdo junto com curiosidades e debates que revelam as transformações da sociedade: da crítica a abordagens machistas à espetacularização da vida pública.
Traços essenciais da obra de Dines, o apreço ao debate e a participação marcam o Observatório desde o início. “Ao iniciar o nosso projeto na Universidade de Campinas (Unicamp), no início dos anos 1990, sob o comando do seu reitor Carlos Vogt, pretendíamos introduzir um novo item na agenda nacional: o debate sobre a imprensa. Não exigimos leis, estatutos ou códigos. Optamos por algo mais simples e mais orgânico. Sabemos que ao observar um fenômeno intervimos nele — então, ao observar a imprensa, estimulamos um movimento por mudanças. Interno, endógeno.”, sintetiza Dines em um textos da coletânea.
O Observatório da Imprensa foi criado na internet em 1996 para expandir-se gradativamente às outras mídias, convidando as pessoas a engajarem-se num fórum de ideias nitidamente progressistas, mas com um caráter apartidário e pluralista, a fim de combater a intolerância. Esse conteúdo resulta de um projeto editorial inovador e pioneiro em relação à crítica de mídia no Brasil. A antologia constitui um documento de pesquisa para todos os interessados nas regularidades e mutações das relações entre jornalismo e poder no período que vai dos últimos anos do século passado a esse final da segunda década do século XXI.