Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O 25 de outubro 30 anos depois

Na sexta-feira, 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog se apresentou espontaneamente para prestar depoimento sobre ‘suas atividades’ ao Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 2º Exército, na Rua Tutóia, bairro do Paraíso, em São Paulo. Era um endereço sinistro, masmorra da ditadura. Mas outros já haviam feito o mesmo, ali e em outros quartéis-generais da tortura, e saído vivos. Vladimir Herzog não saiu. Mesmo conhecido, mesmo diretor de Jornalismo da TV Cultura, mesmo pacifista de carteirinha, foi torturado até a morte. Pelo menos dois livros e um documentário vão marcar esta dolorosa data nacional que motivou um primeiro gesto de rebeldia da sociedade contra a repressão pós-AI-5: o ato ecumênico em homenagem a Vlado que lotou a catedral e a Praça da Sé, nas barbas do regime.


Amigos, colegas e companheiros de Vladimir Herzog quiseram, entretanto, ampliar as lembranças além de livros e documentários. No Parlatino, em São Paulo, a cerimônia para a entrega do 27º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog e do 1º Prêmio Vladimir Herzog para Novos Talentos do Jornalismo, em 25 de outubro, será o ponto alto do tributo à memória de Vlado: cidadãos que se dedicaram à causa dos direitos humanos, vivos e mortos, serão homenageados. A iniciativa partiu do grupo de comunistas (do antigo PCB) presos no DOI-Codi naquele outubro de 1975, mas estendeu-se ao Sindicato dos Jornalistas, a grupos de defesa dos direitos humanos, aos artistas.


De 16 a 23/10, também em São Paulo, haverá ciclo de cinema com filmes sobre direitos humanos, no Cinesesc (longas-metragens) e na Sala Olido (curtas-metragens); de 17 a 24/10, palestras em várias faculdades de Jornalismo, organizadas com a Comissão de Qualidade de Ensino do Sindicato dos Jornalistas. No dia 17, sessão especial do documentário Vlado – 30 anos depois para alunos da EEPSG Vladimir Herzog (no Espaço Unibanco); no dia 19, encontro de representantes de entidades de defesa dos direitos humanos, com lançamento da sexta edição de livro Dossiê Herzog – prisão, tortura e morte no Brasil, de Fernando Pacheco Jordão, no Sindicato dos Jornalistas, às 19h.


No dia 20, às 19h, sessão solene em homenagem a Vlado na Câmara Municipal de São Paulo. E também concerto da Orquestra Sinfônica do Estado na Sala São Paulo, às 21h. No dia 21, às 10h30, ato simbólico em frente ao portal do Presídio Tiradentes.


Adesões abertas


O Fórum Coral Mundial pela Paz e Direitos Humanos terá atividades de 21 a 23/10. No dia 21, das 18h às 22h, encontro dos cantores e ensaio preparatório na Igreja Presbiteriana; dia 22, às 15h, ensaio geral na Catedral da Sé; dia 22, às 20h, encontro de cantores e regentes com autoridades culturais e políticas, no Parlatino; dia 23, às 14h, abraço do coral à Catedral da Sé; às 14h30, apresentação nas escadarias da catedral; às 16h, participação em ato inter-religioso na catedral.


Em 22/10, inauguração da exposição Arte e Direitos Humanos (Celas do Deops, na Estação Pinacoteca), às 11h; em 23/10, o ato inter-religioso na Catedral da Sé em memória de Vlado, às 16h, com a apresentação de coral de 1.000 vozes e a participação de representantes de dezenas de confissões religiosas.


Em 24/10, sessão solene em homenagem a Vlado na Assembléia Legislativa, às 10h; às 19h, solenidade em homenagem a Vlado no auditório da Universidade São Judas Tadeu.


Em 25/10, mesa-redonda sobre Vladimir Herzog no Auditório da Faculdade de História da USP, das 14h às 17h. E a cerimônia no Parlatino, no Saguão do Auditório Simon Bolívar.


A programação está aberta à adesão de grupos e instituições que queiram participar das homenagens.


Maqui da resistência


Entre as personalidades a serem homenageadas na noite do dia 25 (e a lista não está fechada: a cada dia entram novos nomes) estão, por ordem alfabética, Adoniran Barbosa, Airton Soares, Alberto Goldman, Alceu de Amoroso Lima, Alencar Furtado, Audálio Dantas, Augusto Boal, Carlito Maia, Chico Buarque de Holanda, Cristina Tavares, D. Helder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns, Idibal Piveta, Elio Gaspari, Elis Regina, Francisco Pinto, Frei Beto, Freitas Nobre, Gofredo da Silva Telles, Gianfrancesco Guarnieri, Henfil, Henri Sobel, Iberê Bandeira de Melo, Jaime Wright, José Carlos Dias, José Gomes Talarico, José Gregori, Juca de Oliveira, Lélia Abramo, Luis Eduardo Greenhalgh, Marcelo Gato, Márcio José de Moraes, Mário Simas, Martins Filho, Mércia Albuquerque, Milton Nascimento, Modesto da Silveira, Nelson Fabiano Sobrinho, Oduvaldo Vianna, Paulinho da Viola, Perseu Abramo, Plínio Marcos, Prudente de Morais Neto, Radah Abramo, Raimundo Pereira, Ruth Escobar, Samuel MacDowell, Sergio Ricardo, Severo Gomes, Teotônio Vilela, Terezinha Zerbini, Ulisses Guimarães.


Entre instituições e veículos que denunciaram a execução de Vlado e contribuíram para a redemocratização estão: Argumento, Associação Brasileira de Imprensa, Bondinho, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Comitê Brasileiro pela Anistia, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, EX, Movimento, O Estado de S. Paulo, O Pasquim, O São Paulo, Opinião, Ordem dos Advogados do Brasil, Rádio 9 de Julho, Teatro de Arena, Teatro Opinião, Versus, Zero Hora.


Espera-se, embora ainda não esteja confirmado, que a partir do domingo, dia 16, nas salas de teatro de São Paulo – o teatro brasileiro, maqui da resistência à ditadura, terá sempre lugar de honra na memória da luta pela democracia –, seja lido um texto em homenagem a Vlado, brasileiro nascido na antiga Iugoslávia, terra de antigas e recentes resistências. O texto é o seguinte:




Vlado, 30 anos


Morreu como um exorcista, agarrado aos demônios do autoritarismo, que ele ajudou a carregar para as profundezas do tempo. Morreu indignado, como um homem de bem diante da injustiça, para que a democracia renascesse. Teria certamente acompanhado as enormes transformações do mundo, com sua alma inquieta e generosa, se estivesse entre nós. Saberia que terminou a era dos dinossauros e que hoje, neste início tumultuado do século vinte e um, a democracia enfrenta novos desafios.


Vladimir Herzog pertencia a uma das muitas famílias judaicas perseguidas pelas hordas nazistas na Europa que precedeu a Segunda Guerra e que nela imergiu, a partir de 1939. Como judeu, era a viva negação de todos os preconceitos difundidos pelo anti-semitismo. Sempre atento às aflições alheias, sempre solidário com a dor dos outros, marcava-o uma profunda generosidade.


Como militante político, era a antítese da caricatura difundida pelos anti-comunistas. Sua grande utopia sempre incluiu o pleno respeito aos direitos humanos e a garantia de espaços generosos para a controvérsia. Cultivava o saudável hábito de duvidar, repelia qualquer forma de sectarismo, partia do respeito ao indivíduo para construir seus sonhos de justiça.


Sua morte ocorreu num momento especial da nossa história recente. Multiplicavam-se os sintomas de que o modelo de desenvolvimento adotado pelo autoritarismo falira de vez. Acentuavam-se as divergências dentro do próprio regime. A ultra-direita, mais diretamente comprometida com a repressão e os desmandos, resistia ao projeto de descompressão política, liberado pelo então presidente Ernesto Geisel. No esforço para imobilizar a abertura promovida por Geisel, montou uma grande operação, em São Paulo, com o objetivo de provar que a ‘subversão’ ainda ameaçava o País. Vlado foi preso no bojo desta operação – e os chacais do Dói-Codi se lançaram sobre ele com zelo redobrado, porque ali descobriam um fio que levava ao secretário de Cultura, o empresário José Mindlin, ao governador Paulo Egydio Martins e ao presidente Geisel.


Mas a morte do jornalista, naquelas circunstancias trágicas, comoveu a Nação inteira. Fez aflorar a insatisfação generalizada, estimulou a resistência organizada da sociedade civil, aprofundou as fissuras dentro do regime. Transformou-se, ao fim e ao cabo, num instante catártico, que acelerou o processo de abertura, que empurrou a descompressão política – e nos ajudou a chegar até aqui.