Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um brasileiro que fez história no México

Nos últimos seis meses, uma das figuras mais respeitadas e queridas no meio publicitário mexicano, o brasileiro Willy Kautz, andava meio sumido não só da sua sala no Grupo Rádio Fórmula, onde era vice-presidente de comercialização, como das atividades institucionais no setor de mídia da indústria: derrubado por um fulminante câncer hepático, Willy ou estava no hospital, ou em casa, exaurido pelo drástico tratamento. Morreu no sábado (29/7), aos 58 anos, deixando a mulher, Teresinha, e três filhos já adultos – Alex, Willy e Adolfo.


Embora seus amigos mais chegados e a própria família já esperassem o desenlace próximo, a perda do catarinense Willy, como pessoa e profissional, além de muito sentida, repercutiu forte na propaganda mexicana – que ele, nos últimos 18 anos, ajudou a aprimorar em termos técnicos, sobretudo em sua especialidade, o setor de mídia, no qual era considerado um mestre, mas sem nenhuma afetação ou autoritarismo.


De fato, o esportista Willy, olhos verdes e pele bronzeada, com seu jeito de brasileirão informal – recurso com que quebrava, sem ofender, a solenidade mexicana no dia-a-dia – conquistou logo a confiança e o carinho dos colegas e pares quando, enviado por Jens Olesen, presidente da McCann-Erickson brasileira e latino-americana, chegou à Cidade do México, em 1988, com a missão de dinamizar a área de mídia da agência local, com base em sua sólida experiência brasileira.


Como vice-presidente de mídia, ele não só cumpriu essa tarefa internamente como enriqueceu as atividades do setor em geral, promovendo, na Associação Mexicana de Agências de Propaganda (AMAP), uma série de iniciativas pioneiras, entre elas os seminários de mídia ao redor do país, a reunião mensal com diretores de mídia das agências e, sobretudo, a fundação do IVM – Instituto Verificador de Medios (algo parecido ao nosso IVC) e do Consejo de Investigación de Medios.


Intuição é preciso


Formado nos velhos tempos da Denison paulistana, onde chegou a supervisor de mídia, ele entrou na McCann em 1977 como diretor de mídia, escalando vários postos até 1988, quando saiu para a aventura mexicana. Aventura, a propósito, cheia de incertezas, pois naquela época a propaganda mexicana, se não engatinhava propriamente, ainda não atingira o nível de competência técnica e sofisticação criativa atuais.


Era preciso, e isso ele logo sacou, buscar o difícil equilíbrio numa relação naturalmente conflitiva, como é a de agência e cliente. ‘Cliente que espera da agência a administração eficaz e honesta de seus orçamentos de comunicação. Para isso trabalhamos com ratings e números, é verdade, mas uma boa dose de intuição em relação ao gosto popular também ajuda na obtenção de um bom resultado final’, ele dizia, em entrevista a este jornalista, por ocasião da feitura de um livro sobre os 50 anos da McCann no México.


Essa ‘boa dose de intuição’, ele sabia, tinha muito a ver com a necessária mudança, ainda que tênue e gradual, da própria mentalidade mexicana, então muito tímida e conservadora, só admirando de longe a ousadia e os atrevimentos da criação brasileira. Embora não fosse um criativo, Willy aprendeu rápido a conhecer e estimular a cabeça não só do consumidor, mas também daqueles que lhes vendem serviços e produtos – os clientes, os anunciantes.


Não bolou as grandes campanhas dos últimos quinze anos, mas com toda certeza forneceu, no comando rigoroso e inteligente de sua tropa, o reforço técnico adequado – com estatísticas, estudos de tendências e hábitos e planos de mídia – para que anúncios, comerciais e spots surgissem de forma plena e funcionassem bem.


(No ranking da indústria mexicana de propaganda, que fatura anualmente ao redor de 4 bilhões de dólares, a Mcann-Erickson durante muito tempo ocupou o primeiro lugar, mas nos últimos três anos perdeu essa primazia devido ao assédio duro e constante da concorrência, sobretudo de outras americanas, caso da Ogilvy e da BBDO, esta sob o comando de outro brasileiro, Rodolfo Cavalcanti.)


‘Contribuição inestimável’


Há cinco anos, aparentemente desestimulado na McCann, onde já havia chegado ao topo da pirâmide, topou um novo desafio profissional: o de ser alto executivo de vendas de um dos mais fortes grupos radiofônicos do México, Rádio Fórmula. Não era um especialista em rádio, mas, àquela altura, sabia tudo de mídia, de mercado e de México. Com essa experiência consolidada, aumentou as vendas da rádio Fórmula sem abandonar as atividades institucionais do setor de mídia da indústria.


Para Andrzej Rattinger, um dos mais atilados conhecedores do mundo publicitário mexicano, diretor-geral da melhor revista das quatro do ramo – a Merca 2 (as outras são Creativa, Neo e El Publicista –, ‘a contribuição de Willy Kautz foi de fato inestimável. Ele acreditava firmemente, desde que chegou, que nos faltava aprimorar a mídia nas agências e dedicou seu tempo no México a fazer isso com todo empenho e conhecimento das ferramentas do setor. Vamos sentir muito a falta dele, como amigo e como profissional.’


Em tempo


Há dois anos faleceu, também na Cidade do México, de um derrame cerebral, outro publicitário brasileiro, Ziano Grigoli, que durante oito anos foi alto criativo da J.Walter Thompson local. Cansado das exigências exaustivas e altamente competitivas de uma multinacional, demitiu-se e abriu, com a ajuda da mulher, Rosinha, e das filhas, uma pequena agência que, entre outros clientes, tinha a rede brasileira de fast food árabe Habib’s.

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Jornalista e escritor brasileiro radicado na Cidade do México