Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As tentativas de regulação da imprensa no Reino Unido

O Inquérito Leveson, que investigou os padrões de qualidade da imprensa britânica, chamou a atenção para um problema grave: a falta de um modelo efetivo de regulação. Concluído no fim de 2012, o relatório entregue pelo juiz Brian Leveson ao governo continha, entre muitas recomendações, a de que seja criado um órgão regulatório que atue com base em um estatuto.

A regulação estatutária é, há muito tempo, tema de controvérsia. Mais uma vez, a indústria – fã da autoregulação – reclamou. O governo do primeiro-ministro, David Cameron, também não gostou da ideia. “Não queremos uma lei de imprensa”, declarou a ministra da Cultura, Maria Miller.

Abaixo, segue um resumo das propostas e soluções mal sucedidas de regulação da imprensa do Reino Unido ao longo das últimas décadas, da primeira Comissão Real para a Imprensa até o Inquérito Leveson.

Conselho Geral: como se fosse hoje

No Reino Unido, a primeira Comissão Real para a Imprensa foi estabelecida em 1947, com o objetivo de “aumentar a livre expressão através da imprensa e melhorar a prática de precisão e apresentação de notícias”. Em um relatório de 1949, a comissão propôs que a indústria deveria formar um Conselho Geral para a Imprensa para governar o comportamento dos jornais, assim como as condições de emprego e treinamento, questões de propriedade e promover o interesse dos consumidores.

As similaridades culturais e políticas entre aquela época e hoje são impressionantes. Nos anos após a Segunda Guerra Mundial, a imprensa foi sujeita ao “controle pessoal de proprietários intervencionistas”. Sobre os jornalistas, o relatório concluiu: “alguns dos porta-vozes da imprensa dão evidências de que são excessivamente complacentes e deficientes na prática de autocrítica”.

A comissão também julgou a apresentação de notícias como frequentemente enganosa e afirmou que havia uma parcialidade e um viés político em muitas reportagens. Foi também crítica aos proprietários por oferecer relatos simplistas dos eventos em vez de educar seus leitores.

Mas a maior recomendação do relatório foi a criação de um conselho de imprensa – 80% dos membros seriam jornalistas e profissionais da área e cerca de 20%, incluindo o presidente, seriam “pessoas de fora, bons e justos cidadãos”.

No entanto, o conselho só foi formado em 1953, após uma ameaça política de se estabelecer a regulação estatutária. No entanto, este primeiro conselho não incluía cidadãos comuns. Nas palavras do professor e escritor Jeremy Tunstall, “enquanto se declarava de interesse público, o conselho era claramente um defensor dos interesses da imprensa”.

A segunda Comissão Real: corrigindo os erros

Ficou claro, alguns anos mais tarde, no início da década de 60, que o conselho geral tinha falhado em se envolver com as reformas e práticas aconselhadas pela primeira comissão real. Ele nunca agiu verdadeiramente de acordo com o interesse público. Seus membros eram pessoas do ramo dos jornais e seu financiamento vinha inteiramente da indústria.

Mas o mais problemático era que o conselho não tinha poder para reforçar as decisões tomadas. A segunda Comissão Real para a Imprensa, comandada por Lorde Shawcross, foi movida por essas questões, pelo monopólio de propriedade e pelo encerramento de jornais nacionais e regionais. Novamente, os paralelos com os dias atuais são claros.

Quando a comissão escreveu seu relatório, repetia a necessidade de “base voluntária para regulação”, mas enfatizava a necessidade de um corpo efetivo e com credibilidade, reforçado com um possível estatuto, se necessário. “Se a imprensa não está interessada em investir a autoridade necessária ao Conselho, nem em contribuir com o financiamento necessário, é claramente o caso de se criar um corpo estatutário com poderes definitivos e o direito de cobrar a indústria”.

A imprensa agiu rapidamente, com medo das mudanças radicais. O conselho geral virou o conselho de imprensa. Lidar com reclamações se tornou o objetivo principal, ao menos em teoria, e o conselho foi composto por 20% de membros externos, incluindo seu presidente, o juiz Lorde Devlin.

Mas certas coisas não mudaram. Enquanto os anos sob a liderança de Devlin, de 1964 a 69, foram considerados bem sucedidos por alguns, a vontade da imprensa em relatar histórias que rendiam grandes audiências mostravam que continuava a percepção de uma organização regulatória sem poderes.

O conselho continuava financeiramente dependente dos proprietários dos jornais e necessitava da aprovação e cooperação dos editores para funcionar. Era difícil dissipar a noção de que “o propósito a longo prazo do conselho era agir como tampão público, protegendo a imprensa de legislação formal e permitindo que a indústria continuasse do mesmo jeito indisciplinado”.

A terceira Comissão Real: muitas críticas e recomendações

Na década de 70, diante das incertezas sociais e econômicas do período, a indústria jornalística possuía seus próprios problemas econômicos, mas as preocupações sobre as “responsabilidades, constituição e funcionamento” do Conselho da Imprensa persistiam. De fato, a terceira Comissão Real para a Imprensa, de 1977, concluiu que o conselho “até agora falhou em persuadir o público de que lida satisfatoriamente com as reclamações contra os jornais, mesmo que este seja seu objetivo principal”.

O relatório foi altamente depreciativo sobre o conselho e fez 12 recomendações, incluindo um código de conduta para lhe servir de base. Mas a comissão evitou a recomendação de poderes estatutários para reforçar sanções. Passaram-se quatro anos antes que o Conselho respondesse ao relatório e rejeitasse o código. Neste meio tempo, o sindicato dos jornalistas se retirou do conselho sob os argumentos de que era “incapaz de reformas”.

Calcutt um: sobre privacidade e a imprensa

Em 1989, Sir David Calcutt se tornou o responsável por presidir um inquérito sobre questões de invasão de privacidade. A medida teve apoio de vários partidos e surgiu num tempo em que era preocupante a insatisfação do público com as transgressões da imprensa.

Nos anos 1980, os jornais The Sun e Daily Mail enfrentaram julgamentos do Conselho da Imprensa em varias ocasiões. Era a época dos tabloides e das notícias de celebridade, e o Conselho da Imprensa se mostrava, novamente, incapaz de controlar os excessos jornalísticos.

Em 1990, o Relatório Calcutt usou mesmos argumentos que seus predecessores: o conselho era ineficiente, ainda muito próximo dos proprietários da imprensa e continuava a rejeitar muitas reclamações.

Calcutt recomendou a criação de uma nova Comissão para Reclamações da Imprensa (PCC) para substituir o conselho. À nova comissão foram dados 18 meses para provar que a auto regulação não-estatutária poderia agir efetivamente e, se falhasse, um sistema estatutário seria introduzido.

O secretário David Waddington disse:

“Esta é a última chance da indústria estabelecer um sistema de regulação efetivo e não-estatutário, e eu espero fortemente que ela agarre essa oportunidade que lhe foi dada. Se a comissão não-estatutária for estabelecida, o governo irá avaliar sua performance depois de 18 meses para determinar se um estatuto será necessário. Se nenhum passo for dado para a formação dessa comissão, o governo irá estabelecer um estatuto, levando em conta as recomendações do relatório.”

Assim, foi criada, no dia primeiro de janeiro de 1992, a PCC (Press Complaints Commission).

Calcutt dois: a avaliação

Os primeiros 18 meses da PCC foram avaliados em um segundo relatório, publicado em 1993. Os resultados dificilmente poderiam ser mais condenáveis. A comissão foi julgada como um fracasso completo, com a necessidade urgente da criação de um corpo independente capaz de restaurar a credibilidade da indústria jornalística. Calcutt escreve:

“A PCC não é, na minha visão, uma reguladora efetiva da imprensa. Ela não foi criada desta forma, não está operando dentro do seu código de prática, que permite que ela comande não só a imprensa, mas também a confiança pública. Na minha visão, ela não equilibra os interesses da imprensa e dos indivíduos. Ela não é o corpo independente que deveria ser. Constituída, em essência, pela indústria, financiada pela indústria, dominada pela indústria e operando dentro do código feito pela indústria, ela é extremamente favorável à indústria.”

Para Calcutt, a imprensa teve sua chance final e o relatório recomendava a criação de um tribunal estatutário para reclamações sobre a imprensa. Também sugeria medidas para aumentar os padrões jornalísticos, como a ideia de que os profissionais da área deveriam seguir o código de prática da indústria por contrato.

O governo adiou uma decisão sobre o assunto até 1995, quando a secretária Virginia Bottomley anunciou que os controles estatutários não seriam introduzidos. Em vez disso, assim como muitos antes dela, Virginia fez uma série de recomendações para a reforma da PCC.

Inquérito Leveson: de volta à última chance

Em julho de 2011, foi revelado pelo jornal The Guardian que jornalistas do tabloide News of the World haviam hackeado as mensagens telefônicas da adolescente Milly Dowler em 2002. Na ocasião, o desaparecimento de Milly intrigava o público, alimentado pela imprensa sensacionalista. Descobriu-se mais tarde que a jovem havia sido assassinada.

O caso Milly Dowler chocou a sociedade britânica por envolver uma menina de 13 anos, mas aos poucos foi sendo descoberto que o News of the World havia grampeado os telefones de milhares de pessoas, entre celebridades, políticos, esportistas famosos e até parentes de vítimas de crimes e do ataque terrorista ao sistema de transporte de Londres, em 2005.

O tabloide foi fechado, e rapidamente o primeiro-ministro anunciou um inquérito judicial sobre “a cultura, a ética e as práticas da imprensa britânica”, a ser comandado pelo juiz Brian Leveson.

Ficou claro que Leveson acreditava que um estatuto seria necessário para a criação de um novo sistema de vigilância dos jornais. Mas, assim como seus predecessores, David Cameron discordou. Em dezembro de 2012, dias depois da publicação do relatório Leveson, o primeiro-ministro relatou que estava considerando a criação de um novo corpo independente.

Editores de jornais nacionais “concordaram unanimemente” com as propostas mais brandas de Leveson, exceto com a criação de um estatuto. A autoregulação deve continuar, até que a imprensa britânica chegue, mais uma vez, a mais uma “última chance”.