Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Morre jornalista “assassinado” há cinco anos

Em novembro de 2008, o jornalista russo Mikhail Beketov foi atacadopor homens armados com porretes e deixado no jardim de sua casa, na neve, para morrer. Foi encontrado por vizinhos dois dias depois, teve uma perna e três dedos amputados e passou meses em coma. Cinco anos depois, Beketov – que não podia mais falar – estava reaprendendo a andar.

Na semana passada, no entanto, o jornalista engasgou com um pedaço de comida – em consequência das cicatrizes internas deixadas por uma traqueotomia feita para salvar sua vida após o ataque – e parou de respirar. “Mikhail Beketov morreu ontem. Ele foi assassinado cinco anos atrás”, dizia a manchete da revista russa Snob.

Em nome de uma causa

Beketov tinha 55 anos. Em sua carreira como repórter, cobriu insistentemente os problemas de Khimki, subúrbio de Moscou tomado pela corrupção e ilegalidade. Ganhou muitos inimigos e sofreu ameaças e intimidações. Em certa ocasião, atearam fogo a seu carro; em outra, mataram seu cachorro e deixaram o cadáver na porta de sua casa. “Ele era ameaçado repetidamente”, disse a ativista Yevgeniya Chirikova no velório de Beketov, na Casa dos Jornalistas em Moscou. “Eles ligavam e diziam: não vamos apenas matar você, vamos mutilá-lo”, continuou ela.

Beketov dirigia um pequeno jornal local em Khimki chamado Khimkinskaya Pravda quando, em 2006, o Kremlin anunciou que iria construir uma nova rodovia entre Moscou e São Petersburgo passando pela floresta. Os habitantes do subúrbio se revoltaram. O jornalista, por sua vez, abraçou a causa e começou a publicar reportagens sobre suposta corrupção ligada ao projeto. “Ninguém queria escrever sobre isso. Ele foi o primeiro. Seis anos atrás, eu não sabia que a corrupção ia além do prefeito. Ele tirou meus óculos cor de rosa e disse: olhe para isso”, lembrou Chirikova.

Em diversos textos jornalísticos e artigos de opinião, Beketov criticou duramente o prefeito da cidade, Vladimir Strelchenko, por conta de alegações de corrupção e de seu apoio ao projeto da rodovia. Segundo Chirikova, ele dizia que, se algo lhe acontecesse, era para olharem para o governo de Khimki. O prefeito negou qualquer ligação com o ataque ao jornalista e com esquemas de corrupção, e renunciou, no ano passado, por outros motivos.

Ativistas locais, liderados por Chirikova, continuaram com a campanha contra a rodovia, ainda que a construção continue em passo acelerado. Mas a intensidade dos protestos diminuiu. “[Beketov] era a espinha dorsal de Khimki. Ele é insubstituível”, disse a ativista.

Profissão perigo

Nos discursos feitos por colegas no velório de Beketov, o sentimento era, principalmente, de revolta. Uma jornalista presente na cerimônia desabafou: “A profissão de jornalista [na Rússia] é a mais assustadora – e é perigosamente letal. Um governo que não precisa da verdade é um governo bandido. Eles não vão procurar pelos assassinos. Os assassinos estão no Kremlin”.

De fato, Beketov é mais um nome em uma longa lista de profissionais de imprensa atacados no país na última década. No velório, estava um deles: Oleg Kashinfoi brutalmente espancado em 2010, teve um dedo amputado e uma fratura no crânio, e seus agressores nunca foram encontrados. Apesar das promessas de investigações, prisões e condenações, aqueles que atacam jornalistas raramente são punidos na Rússia.

“[Beketov] morreu sem ver justiça”, lamentou a jornalista Elena Kostyuchenko, do jornal independente Novaya Gazeta. Ela relembrou uma conversa que teve com uma amiga: “Ela disse que Khimki é como a Chechênia. Para a imprensa russa se calar sobre a Chechênia, era suficiente matar [Anna] Politkovskaya. Para a imprensa russa se calar sobre Khimki, é suficiente matar Beketov.”.