Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Projeto sobre paraísos fiscais reúne jornalistas de 46 países

Oitenta e seis jornalistas de 46 países analisaram 2,5 milhões de arquivos em uma única investigação que revelou informações financeiras sobre políticos e celebridades de 170 países. Coordenado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, sigla em inglês), projeto da organização de notícias investigativas sem fins lucrativos e apartidária Centro para Integridade Pública, o trabalho sobre os paraísos fiscais começou a ser divulgado na semana passada.

Há pouco mais de um ano, 260 gigabytes de dados foram vazados para o diretor-executivo do ICIJ, Gerard Ryle, com informações sobre finanças de indivíduos em mais de 170 países. Na época em que recebeu os arquivos, Ryle era um executivo do setor de mídia na Austrália, diz a vice-diretora Marina Walker Guevara. “Ele veio com a matéria embaixo dos braços”, conta ela, lembrando que ficou surpresa com o fato de Ryle querer um trabalho no pequeno escritório da instituição em Washington.

No entanto, Marina logo percebeu que era apenas por meio do foco e da experiência internacional do centro, que conta com uma rede global de 160 repórteres em mais de 60 países, que o projeto poderia ser executado. O resultado é uma grande colaboração internacional que deve ser a maior da história do jornalismo. “Foi um passo grande. Como repórter, a primeira coisa que você pensa não é ‘Deixe-me ver como eu posso compartilhar isso com o mundo’. Você pensa ‘como eu posso dar um furo?’. Mas o pensamento aqui foi diferente”.

Segundo ela, o ICIJ considerou seriamente manter o time em apenas cinco ou seis membros, mas decidiu adotar uma postura mais “arriscada” quando percebeu o grande escopo do projeto. Assim, jornalistas de todo o mundo receberam listas de nomes para identificar e, quando encontravam conexões interessantes, tinham acesso ao Interdata, que é o banco de dados online, seguro e de fácil busca do ICIJ. De acordo com o instituto, este foi o maior projeto de jornalismo colaborativo organizado por eles; o anterior tinha envolvido 25 jornalistas de países diferentes.

Os primeiros a divulgarem os resultados foram organizações alemãs e canadenses (Süddeutsche Zeitung, Norddeutscher Rundfunk e CBC), seguidas pelo diário americano The Washington Post. Participaram do projeto repórteres de outras 30 publicações, como Le Monde, BBC e The Guardian. “O passo natural não foi sentar em Washington e tentar descobrir quem é a pessoa e por que isso importa ao Azerbaijão ou a Romênia, mas ir a nossos membros locais – ou a um bom repórter, se não tivermos um membro [na região] – e dar a eles os nomes, convidá-los para o projeto, ver se o nome tinha importância e envolvê-los no processo”, resume Marina.

Escolha dos nomes

Definir os nomes que importavam à investigação foi uma experiência de aprendizagem para os líderes do projeto. “A lição fundamental foi a paciência e a perseverância”, diz Duncan Campbell, fundador do ICIJ e atual gerente de jornalismo de dados. “As informações estavam desestruturadas e confusas. Em meio a planilhas, emails, PDFs, fotos e passaportes, o ICIJ ainda não terminou de organizar todos os dados dos arquivos brutos”. Um programador britânico levou duas semanas para criar um banco de dados seguro que permitiria a todos os jornalistas não apenas buscar e fazer o download de maneira segura dos documentos, mas também comunicar-se por meio de um fórum online.

Além do fórum, o ICIJ contratou um gerente de pesquisa para realizar buscas e enviar os documentos por email para os jornalistas – por questões de segurança e para facilitar aos que não tinham muito acesso à internet. Também foi explicado às equipes de reportagem que o projeto não buscava simplesmente por políticos escondendo dinheiro e pessoas que violaram a lei. Segundo Marina, as matérias mais surpreendentes vieram da observação de tendências mais amplas. “Além dos muitos suspeitos habituais, havia centenas de milhares de pessoas regulares – médicos e dentistas dos EUA. Isso nos fez entender um sistema que é muito mais usado do que pensávamos. Não são apenas pessoas violando a lei ou políticos escondendo dinheiro, mas muitas pessoas inseguras em seus próprios países ou escondendo dinheiro das esposas. Estamos inclusive escrevendo matérias sobre divórcios”, relata. Como reforça Marina, eram necessários repórteres no campo para checar registros de tribunais e para conversar com especialistas.

Nos dois milhões de registros acessados, repórteres do ICIJ começaram a entender os métodos usados para não associar os nomes a essas contas. Muitos usam “diretores nomeados”, um processo semelhante ao de registrar o carro no nome de um estranho. No projeto, os repórteres reconheceram que a maior parte das contas no exterior não estava sendo usada para transações ilegais. Representantes dos bancos no exterior alegam que eles permitem que empresas e indivíduos diversifiquem seus investimentos, forjem alianças comerciais para além das fronteiras nacionais e façam negócios em lugares com ambientes mais amigáveis para escapar de regras pesadas.

Todas as matérias do projeto ficarão disponíveis em uma página no site do ICIJ. A equipe está considerando, ainda, criar um aplicativo que permita usuários acesso a parte dos dados.