Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Desafios e contradições nas universidades do Oriente Médio

Matt J. Duffy vibrou quando conseguiu um emprego como professor de jornalismo na Universidade Zayed, em Abu Dhabi, em 2010. Mas a alegria durou pouco: três meses depois ele foi expulso dos Emirados Árabes Unidos, sem qualquer explicação. Além de dar aula, Duffy – que é blogueiro – era um colaborador frequente doGulf News, jornal de Dubai. Ele também presidiu uma conferência sobre o papel da mídia na Primavera Árabe, deu início a uma divisão estudantil na Sociedade de Jornalistas Profissionais e organizou comemorações no campus pelo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Em Doha, capital do vizinho Catar, estudantes da Universidade Northwestern discutiam em sala de aula a importância da advertência do jornalista investigativo I.F. Stone de que “todos os governos mentem” em uma sociedade cujos líderes raramente sentem a necessidade de explicar suas ações. O debate estava tão animado e irreverente quanto estaria em um campus em uma democracia ocidental e os alunos pareciam dispostos a discutir as contradições entre a reportagem da al-Jazira, rede de TV com sede em Doha e financiada pelo governo local, e o fato de que, se governos não gostarem do que for dito, eles podem deportar o jornalista.

Segundo Everette E. Dennis, reitora da Northwestern, os efeitos na formação em jornalismo na região são cada vez maiores. “O que fazemos não é muito diferente de como o jornalismo é ensinado em qualquer outro lugar. Ocasionalmente os livros são barrados nas alfândegas e temos que explicar às autoridades por que precisamos deles. Mas a maior parte dos professores sente que podem dizer o que quiser”, afirmou. “Nos vemos como parte do esforço do Catar para se transformar de uma sociedade com base na indústria extrativista em uma economia com base no conhecimento. Mas não há tradição de liberdade de imprensa no Golfo – nem no mundo árabe de maneira geral”.

Diversos alunos de jornalismo da Northwestern já foram brevemente detidos quando faziam reportagens ou tiravam fotos. A maioria foi solta rapidamente, mas um, Usama Hamed, ficou 10 dias na prisão, no ano passado, por ter fotografado um incêndio depois de a polícia ter bloqueado o local. “Ensinamos aos nossos alunos o que significa liberdade de expressão. Ensinamos também as restrições dessa liberdade em qualquer sociedade: calúnia, leis de obscenidade, uso impróprio de informação financeira. Aqui no Catar você não escreveria uma crítica pessoal ao emir ou um ataque ao profeta. Isso é autocensura? Ou apenas o respeito pela lei e costumes locais? Tentamos encorajar um senso de ceticismo sobre todas as autoridades”, disse Everette.

“Ensino de jornalismo em revolução”

Lawrence Pintak, reitor da Faculdade de Comunicação Edward R. Murrow, da Universidade do Estado de Washington, observa que o Golfo é cercado de contradições, sendo uma sociedade feudal e, ao mesmo tempo, extremamente moderna. “O jornalismo no mundo árabe está no meio de uma revolução. Como resultado, a formação em jornalismo também está em revolução”, comparou. Segundo ele, antes de a al-Jazira começar a operar na região, em 1996, as notícias de TV não tinham qualquer sentido. “Agora, todos no Golfo sabem das notícias pela TV”.

Pintak é um correspondente veterano do Oriente Médio e autor do livro The New Arab Journalist. Ele dirigiu, ainda, o programa de jornalismo da Universidade Americana, no Cairo. Pintak descreve-se como “filho do Watergate”. “Minha geração queria tirar o presidente do poder. Esse sentido do possível é o que eu vejo nos estudantes árabes hoje”, afirma, acrescentando que a elogiada cobertura da al-Jazira sobre os protestos da Primavera Árabe teve bastante influência sobre os estudantes árabes.

Segundo Shaun T. Schafer, coordenador do programa de jornalismo da Metropolitan State University, em Denver, que fez sua tese de doutorado sobre ensino de jornalismo no Oriente Médio com base, em parte, em sua experiência como professor na Universidade do Cairo antes da Primavera Árabe, há temas sobre os quais não se podia escrever. “Nem sempre era algo político. Por exemplo, nunca escrevíamos uma matéria de economia, porque se você mencionasse uma empresa pelo nome, pensariam que o jornalista teria sido pago por ela”, conta. Ele diz que, apesar de ter algumas poucas regras claras sobre o que não abordar, existe uma dúvida sobre a maioria dos temas. “Ninguém te entrega uma lista do que não dizer. Isso contribui para uma atmosfera de autocensura”.

As técnicas ensinadas por ele podiam ser as mesmas do Ocidente, mas a maior parte dos alunos de Schafer não via alternativa de carreira além da mídia controlada pelo governo. Ele reconhece que a al-Jazira mudou as atitudes e ambições dos alunos, mas lamenta que a rede tenha voltado seu foco para o exterior. O Catar está no 110o lugar no Índice de Liberdade de Imprensa elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras. Os Emirados Árabes estão na 114ª posição.