Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quando repórteres são sequestrados

James Foley deveria ter chegado às 16 hs. Era dia de Ação de Graças e Foley, jornalista freelance que cobria a guerra na Síria para o GlobalPost e a Agence France-Presse, ia encontrar-se com sua amiga Nicole Tung, também jornalista, na cidade turca de Reyhanli, na fronteira, para descansar por uns dois dias. Mas Foley não apareceu. “Depois das 6, 7 horas da tarde, comecei a me preocupar. Estava tudo muito calmo”, lembra Nicole. “Lá pelas 10, 11 horas, eu sabia, definitivamente, que alguma coisa não tinha dado certo.” Quando, finalmente, ela conseguiu falar com alguém na Síria que tinha visto Foley, ficou sabendo que seu amigo fora retirado do táxi em que se encontrava e sequestrado por alguém com uma arma na mão.

Nicole sabia que a responsabilidade por transmitir as más notícias à família de Foley, em New Hampshire, era dela. Aí, eles teriam que decidir que providências tomar em seguida – e se a informação deveria ser divulgada publicamente.

Existem programas de treinamento para situações desfavoráveis e manuais de segurança que oferecem conselhos práticos para jornalistas sobre como evitar ser sequestrado e como aumentar as chances de sobrevivência caso se tornem reféns. Mas para as famílias e empregadores não há manuais de orientação ou protocolos estabelecidos a ser seguidos. O primeiro dilema costuma ser decidir se a notícia deve ser divulgada ou pedir à imprensa que não a divulgue.

Jornalistas, e não espiões

“Cada caso é um caso. Não existe uma maneira específica de abordá-lo”, diz Paul Steiger, presidente da ProPublica que era editor do Wall Street Journal quando o repórter Daniel Pearl foi sequestrado no Paquistão, em 2002. “Às vezes, o silêncio da mídia pode ajudar uma pessoa, ou um grupo de pessoas, que tenha sido sequestrada, e às vezes o melhor caminho é tornar [a informação] pública”, afirma.

Para a família Foley, a notícia do sequestro – e o peso da decisão sobre o que fazer em seguida – pareceu um cruel déjà vu. Em 2011, quando trabalhava como freelance para o GlobalPost na Líbia, James Foley e três outros jornalistas foram capturados quando o grupo ficou na linha de fogo das forças leais ao regime de Kadafi. Anton Harmmerl, um fotógrafo sul-africano, foi morto no ataque; Foley e os outros dois profissionais foram presos e interrogados – um deles foi acusado na televisão estatal da Líbia de ser um espião americano.

Pouco depois do sequestro na Líbia, a família Foley, assim como outras, decidiu tornar o assunto público. A atenção da mídia foi considerada uma maneira de legitimar os detidos como jornalistas, e não como espiões, e pressionar o governo líbio por sua soltura. Seis semanas depois de terem sido presos – e depois da publicidade pela mídia e de apelos públicos pelas Nações Unidas e pelo Departamento de Estado norte-americano –, James Foley e os outros foram soltos pelas autoridades líbias.

A opção pelo silêncio

O sequestro na Síria foi diferente. Desta vez, a família Foley não tinha a menor ideia de onde ou quem estava com seu filho, nem mesmo se ele estava vivo. Sem informações, e seguindo orientação de peritos em segurança, decidiram ficar calados. “Acho que é muito difícil fazer uma campanha pela mídia quando você não sabe sequer quem deve ser pressionado, e este era o caso de James”, diz Nicole.

Durante seis semanas não se falou do sequestro. Quaisquer jornalistas que entrassem em contato com o GlobalPost ou a Agence France-Presse querendo saber de Foley recebiam o pedido de não revelar o sequestro, assim como aqueles que, um mês depois, procurassem a NBC perguntando por Richard Engel, o qual, junto com sua equipe, era refém na Síria. Esses silêncios tornaram-se uma tradição definitiva na mídia norte-americana, em especial quando um jornalista é sequestrado por rebeldes que pedem resgate.

Em 2008, talvez no mais estudado mutismo da mídia, o New York Times manteve silêncio durante oito meses a respeito do sequestro de um de seus repórteres, David Rohde, pelo Taliban, no Afeganistão. Convencidos de que Rohde era extremamente importante para o governo dos Estados Unidos, seus sequestradores exigiam 25 milhões de dólares em dinheiro e a soltura de 15 detidos na prisão de Gunatánamo. Após algumas discussões, a família de David Rohde e Bill Keller, então editor-executivo do Times, optaram pelo silêncio para evitar alimentar as já exageradas exigências de resgate dos sequestradores.

Daniel Pearl foi decapitado

Rhode, que conseguiu fugir do cativeiro, ficou grato pelo silêncio. Seus sequestradores do Taliban “saboreavam o desafio que faziam aos Estados Unidos”, disse ele. “A atenção do público e os pedidos de soltura de grupos de jornalistas não iriam pressioná-los de jeito nenhum para me soltar. Eles estavam adorando. Iriam ignorar o protesto completamente.”

Mas, se impor o silêncio é normalmente considerado o melhor caminho quando os sequestradores exigem resgate, a estratégia apropriada é muito menos clara quando o motivo é político, diz Frank Smyth, conselheiro para segurança de jornalistas do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Quando Jill Carroll, que na época era repórter do Christian Science Monitor, foi capturada no Iraque, em 2006, seus sequestradores ameaçaram matá-la se todas as presas (femininas) em prisões iraquianas não fossem soltas em 72 horas. Quase três meses depois, após uma intensa campanha pela sua soltura pela mídia e a libertação de cinco presas políticas iraquianas, ela foi solta ilesa. “Naquela situação, a cobertura da imprensa acabou ajudando Jill Carroll”, lembra Smyth, “porque aumentou a pressão política e aumentou o potencial custo político de feri-la.”

Mas em sequestros políticos, a atenção da imprensa nem sempre funciona. Quando Daniel Pearl, repórter do Wall Street Journal, foi sequestrado por militantes paquistaneses em 2002 e acusado de ser espião, seus sequestradores enviaram por e-mail uma lista de exigências ao governo dos Estados Unidos, incluindo a libertação de cidadãos paquistaneses presos em Guantánamo. A situação de Pearl inspirou uma enorme campanha internacional pela mídia. Entretanto, nove dias após sua captura e sem que as exigências fossem atendidas, ele foi decapitado.

“Se errar, erre pelo lado da precaução”

Depois que Rhode fugiu e a amplitude do silêncio foi revelada – até a Wikipedia colaborou, censurando sua página – aconteceu um debate sobre os méritos desses silêncios. Embora a maioria dos jornalistas e analistas de mídia apoiasse a decisão do Times de proteger seu repórter, alguns criticaram a organização por entrar em contradição – de maneira descarada e, talvez, seletiva – com sua missão de servir o interesse público por meio de reportagens. Kelly McBride, do Instituto Poynter, acusou Bill Keller de oferecer tratamento privilegiado a Rhode. “E quanto à próxima matéria?”, escreveu ela. “Você vai deixar de lado seu papel de cão de guarda para salvar uma vida? Da próxima vez que você for desafiado por um sequestro que valha uma notícia, acredito que ponha o jornalismo em primeiro lugar. Você voltará ao seu papel de questionar os poderosos e informar os cidadãos que apostam no Times para divulgar as matérias mais importantes e exatas do dia.”

Após seu sequestro, o Times, segundo Rhode, adotou uma política – com a qual ele concorda – de proporcionar silêncios até a não-jornalistas quando notícias sobre seus sequestros possam aumentar seus riscos de vida. No entanto, acrescentou, enquanto jornalista, ele visualizava possíveis situações em que o valor do sequestro como notícia poderia compensar um potencial benefício de segurança obtido por um silêncio. “É difícil”, diz ele. “Teria que ser uma autoridade pública bastante importante” para que a notícia compensasse a segurança da pessoa. “Eu só acho que você sempre tem que levar em conta: ‘Isto vai por alguém potencialmente em perigo?’”

Também não há garantia alguma de que um silêncio, mesmo que tenha sido solicitado, seja, em última instância, cumprido. Dois dias depois que Richard Engel, principal correspondente estrangeiro da NBC News, e quatro membros de sua equipe foram capturados por um grupo extremista leal ao regime sírio, no dia 13 de dezembro, o jornal turco Hurriyet e a rede nacional de televisão NTV deram a matéria do sequestro (Aziz Akyavas, correspondente da NBC turca, fazia parte do grupo). No entanto, citando preocupações com segurança, a NBC pediu que as organizações de mídia não divulgassem mais do que já fora dito sobre o sequestro, o que a mídia norte-americana fez – com exceção do website Gawker, que desafiou o pedido e divulgou comunicados das autoridades turcas. “Ninguém me disse coisa alguma que sugerisse uma ameaça específica, ou mesmo geral, à segurança de Engel”, escreveu John Cook, editor do Gawker, em sua defesa. “Ninguém disse ‘Se você divulgar isto, então sabemos, ou suspeitamos, que X, Y ou Z pode acontecer’.” Para a maioria dos jornalistas, muitos dos quais tinham criticado intensamente o fato do pedido ter sido desafiado, a resposta de Cook não foi convincente. “O Gawker foi duramente criticado, o que achei certo”, diz Frank Smyth, do CPJ. “É algo como ‘Não há provas de que isso representaria um risco para ele’. Também não há provas de que não representaria. Se você errar, erre pelo lado da precaução.”

Quatro jornalistas estão desaparecidos na Síria

Mas qual é o lado da precaução quando você não tem informação alguma para orientá-lo? No dia 2 de janeiro, mais de seis semanas depois que James Foley desaparecera, sua família decidiu ir a público, implorando aos sequestradores por qualquer informação sobre seu filho. No dia seguinte, numa entrevista coletiva do lado de fora de sua casa em New Hampshire, foi perguntado a John e Diane Foley o que acontecera para fazê-los mudar de ideia sobre a divulgação da notícia. “Não temos informação alguma”, respondeu Diane Foley. “Já se passaram seis semanas.”

Isso foi em janeiro. Quase quatro meses depois que os Foley decidiram ir a público – e mais de 150 dias depois do sequestro –, James Foley continua desaparecido. Seus pais ainda procuram informações. Sabe-se que pelo menos outros quatro jornalistas estão desaparecidos na Síria.

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Trevor Bach, da Columbia Journalism Review