Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

E se a ‘mídia de massa’ fosse um acidente da história?

Acostumamo-nos a pensar o mercado de comunicação de massa, composto dos grandes jornais e redes de TV, como a situação normal na mídia. E se, ao contrário, se tratasse de uma anormalidade histórica?

Quando se trata dos negócios da mídia tradicional, há frequentemente uma nostalgia generalizada em relação aos “bons e velhos tempos”, quando uma meia dúzia de jornais e redes de TV reinava no panorama da mídia e a lucratividade era tão garantida que enormes dinastias familiares, com nomes como Sulzberger e Bancroft, foram construídas nesse domínio. Muitos executivos da mídia, sem dúvida, sonham em voltar magicamente a esses tempos. Mas, e se esses dias não passassem de uma ilusão – uma espécie de acidente da história? O que significaria isso para o futuro da mídia?

Essa ideia já tinha surgido antes, mas voltei a lembrar-me dela quando li uma mensagem do Nieman Journalism Lab sobre ume pesquisa feita por Lee Humphreys em relação à maneira pela qual se produz a comunicação – especialmente a comunicação particular, através de cartas, diários e outras ferramentas de expressão pré-digital. Embora aparentemente isto tenha pouco a ver com a maneira pela qual usamos serviços ultra-modernos como o Twitter e o Facebook, tem muito mais a ver do que você possa imaginar.

Pessoal e social

Tal como Lee Humphreys a descreve, sua pesquisa mostra que, se você analisar a comunicação humana por um período mais longo do que apenas a última ou as duas últimas gerações, torna-se óbvio que o estilo direto e descartável das comunicações de massa não é uma regra coisa alguma – e, em vez disso, a regra é uma comunicação interpessoal e multidirecional que tem muito mais a compartilhar com mídias sociais, como os blogs, o Twitter e o Facebook. Ao invés de criarmos um novo estilo de comunicação, estamos na realidade voltando a um que já existia.

Lee Humphreys disse que uma das conclusões iniciais de sua pesquisa é a possibilidade de que as comunicações de massa no século 20 não tenham passado de uma rápida piscadela, uma aberração histórica, e, através de plataformas como o Twitter, vamos voltando pouco a pouco para uma rede de comunicação que consente, sem o sentimento de culpa, o desejo individual de registrar sua existência.

Por exemplo, ele diz que a ideia de diários como coisas privadas – que seus donos escondem debaixo do colchão ou guardam num lugar secreto, trancado a sete chaves – é relativamente recente. No final do século 19, era comum as pessoas lerem para as outras diários como uma maneira de poder acompanhar os acontecimentos – e em muitos casos isso era feito com o autor do diário participando da discussão. Nesse sentido, os diários eram uma mistura de privado e público, de maneira bastante semelhante ao que são as mídias sociais.

Embora a mensagem do Nieman Lab não o mencione, também havia a ideia de um “livro banal”, que era uma espécie de versão de blog em papel, um lugar onde as pessoas guardavam fragmentos de textos e ideias que encontravam e depois os compartilhavam com outros. Escritores famosos, como John Milton e Ralph Waldo Emerson, guardavam esses livros banais e o fenômeno é considerado por muita gente como sendo um preâmbulo do que seria o remix da cultura de hoje.

Acabou-se a era das comunicações de massa

A ideia de que as comunicações de massa foram uma espécie de acidente histórico também já foi levantada por outras pessoas, inclusive por Tom Standege, do semanário The Economist – tanto no livro que irá lançar, Writing on the Wall [Escrevendo na parede, na tradução livre], como numa série de matérias que publicou na revista sobre a natureza das mídias digitais. As matérias descrevem como as qualidades interconectadas das mídias sociais e do “jornalismo para rede” refletem como as comunicações funcionavam antes que os jornais fossem inventados, quando a taberna ou o café eram o centro do ecossistema de informações. O título do livro, diz Standage, também é uma referência:

“As implicações sinistras do renascimento das mídias sociais para as empresas de comunicação de massa que surgiram na era industrial envolviam o alto custo de divulgar informação para grandes audiências. A conclusão do livro é de que a era das comunicações de massa foi uma anomalia histórica… Na verdade, seria preferível denominá-la ‘parêntese de comunicações de massa’.”

Se isto for, de fato, aquilo por que passamos – isto é, a desagregação e o desmonte de uma infraestrutura de comunicações de massa que foi construída para atender às necessidades dos leitores (e anunciantes) numa época específica da história –, então, o que podemos esperar? Entre outras coisas, provavelmente uma maior diminuição das empresas de mídia, demissões e falências cujas dimensões e estrutura de custos, assim como o foco na mídia impressa, não mais correspondem às necessidades do mercado.

E do lado positivo, também veremos provavelmente o crescimento de novas entidades que têm a vantagem em sua natureza de funcionar em rede, de ser sociais e de menor escala no ecossistema da mídia – empresas novas como Circa, por exemplo, ou atores que trabalham em algoritmos, como Prismatic, assim como entidades maiores como o Huffington Post e BuzzFeed. Num sentido muito concreto, são os melhores e os piores dos tempos.

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Mathew Ingram é jornalista e escreve para a rede GigaOM