Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Ombudsman do ‘NYT’ critica obituário de jornalista

O jornalista americano Michael Hastings, autor do artigo que derrubouo principal comandante do Exército americano no Afeganistão em 2010, morreu na semana passada [18/6] em um acidente de carro na Califórnia. Ele tinha 33 anos.

Neste artigo, a ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan, critica o obituário de Hastings publicado pelo diário.

***

Um obituário do jornalista Michael Hastings perdeu a oportunidade de transmitir aos leitores do Times a figura inconfundível que ele foi no jornalismo norte-americano. O obituário, que suscitou críticas – em particular um e-mail, em termos duros, da viúva de Hastings, Elise Jordan, à editora-executiva do jornal, Jill Abramson, e outros, inclusive a mim – não é, até onde sei, incorreto do ponto de vista factual.

Porém, não transmite a essência do jornalismo de Michael Hastings ou a opinião que se tinha dele. E, pela forma como apresenta a resposta do Pentágono a seu artigo mais célebre, na revista Rolling Stone, que derrubou o general Stanley A. McChrystal, o obituário parece diminuir a legitimidade de seu trabalho.

Esse trecho do curto obituário diz o seguinte:

“Um inquérito do artigo pelo inspetor do Departamento de Defesa considerou ‘insuficientes’ as provas de irregularidades cometidas pelo general, por seus assessores militares e conselheiros civis. O relatório do inspetor-geral também questionou a exatidão de alguns aspectos do artigo, que foi continuamente defendido por Hastings e pela Rolling Stone.”

E fornece um link para um artigo de 2011 do Times cujo título muitos criticaram como exagerado e incorreto: “Inquérito de artigo pelo Pentágono isenta McChrystal e assessores”. Elise Jordan observou que o Pentágono também aceitou como válidos alguns dos argumentos de Hastings e fez um destaque sobre o título do artigo anterior: “Provas insuficientes para processar não é o mesmo que ‘isentar’ alguém de uma ação errada.”

Verdades radicais

Pedi a Bill McDonald, editor da seção de obituários, que explicasse as queixas de que o obituário dava uma ênfase indevida ao inquérito do Pentágono. Ele discordou:

“Num obituário de 12 parágrafos, esse aspecto de sua história surge nos parágrafos 6 e 7, depois de tê-lo chamado ‘intrépido’ no primeiro parágrafo, destacando o Prêmio Polk por seu trabalho e o considerável impacto que seu artigo teve. Só então divulgamos – como devíamos, se pretendíamos escrever um obituário honesto sobre ele – que o artigo desencadeou uma investigação do Pentágono e um relatório do inspetor-geral contestando a matéria de Hastings. Foi um aspecto de interesse jornalístico e parte inevitável de sua história. E, num obituário de 425 palavras, tratamos desse aspecto em cerca de 50.”

É lógico que um obituário não pretende ser uma homenagem. É uma notícia sobre a vida de uma pessoa importante. E, devido à reputação e ao alcance do Times, os obituários contribuem bastante para estabelecer o legado de alguém. São importantes.

Neste caso, as referências do Pentágono, sugerindo um descrédito das conclusões do artigo da Rolling Stone, ganharam mais espaço do que muita gente consideraria informação essencial sobre Michael Hastings: que ele era um destemido perturbador da paz, que acreditava em acompanhar os que estavam no poder, mas dizendo verdades radicais.

O espírito contestador da Primeira Emenda

Na versão online do artigo, de início apareceu uma citação do site BuzzFeedque dizia:

“Na verdade, Michael Hastings só estava interessado em escrever matérias que alguém não queria que ele escrevesse – muitas vezes, as personagens citadas; eventualmente, seu editor. Embora não exista um modelo para um grande repórter, ele o era, e por motivos que eram intrínsecos a ele: ambicioso, cético em relação ao poder e à sabedoria convencional e incrivelmente corajoso.”

A citação foi eliminada devido a problemas de espaço na edição impressa e é essa a versão que foi arquivada.

O obituário não necessitaria muito espaço para transmitir essa opinião. No Twitter – que não incentiva o discurso prolixo –, uma mensagem da Freedom of the Press Foundation a transmitiu de maneira sucinta: “Descanse em paz, Michael Hastings, jornalista dos jornalistas que incorporou o espírito contestador da Primeira Emenda”.

******

Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times