Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O futuro dos tabloides britânicos

Sue Douglas tem uma tarefa complicada nas mãos: reviver e promover os valores e a cultura do News of the World, tabloide fechado há dois anos por conta do escândalo de grampos telefônicos que deu início ao inquérito Leveson e a um projeto de reforma de regulação na imprensa do Reino Unido. Ela defende as qualidades do jornal extinto, como o talento de perfurar as pretensões das classes políticas, o humor malicioso e o olfato pelas preocupações e pelos incômodos dos cidadãos comuns.

Sue, que já ocupou cargos no Daily Mail, no Sunday Times e no Sunday Express, hoje trabalha na editora Trinity Mirror dentro de um projeto para reunir o tabloide Sunday People com outros jornais regionais dentro da marca “Sunday Brands”. Os detalhes do projeto são confidenciais e o lançamento, planejado para setembro, foi adiado para o fim do ano. Está claro, no entanto, que ela pretende reverter a autopiedade instalada entre os tabloides durante e depois do inquérito Leveson.

Em baixa

A edição de domingo do Sun, The Sun on Sunday, lançada para ocupar a lacuna deixada pelo News of The World, vende 800 mil exemplares a menos que a circulação de 2,7 milhões do extinto tabloide. A venda de outros tabloides dominicais britânicos também caiu. Sue reconhece um número entre 1,5 milhão e 2 milhões de leitores insatisfeitos que ainda anseiam pelo tipo de produto que era oferecido pelo News of the World.

O sentimento é forte e expressado pelos jornalistas que se sentem vitimizados pela classe política e pelo grupo Hacked Off, que, como acreditam os jornalistas, querem os sufocar com uma nova estrutura de regulação da imprensa. Kelvin MacKenzie, editor do Sun em seu auge de circulação e poder, entre 1981 e 1994, compartilha da opinião de muitos: “Um grande número de membros do parlamento foi preso devido ao jornalismo. Esses bandidos do parlamento que escaparam dos tribunais serão o juiz e o júri da imprensa? É um absurdo!”.

O empresário Rupert Murdoch, dono dos jornais The Times, Sunday Times, Sun e, antes do escândalo, News of the World, apareceu recentemente em uma gravação de uma reunião com funcionários do Sun, feita sem o seu consentimento, afirmando que há uma implicância das autoridades com o tabloide. Circulam histórias de repórteres e editores tirados da cama, com crianças aterrorizadas pelas batidas policiais em suas casas. Ao menos dois jornalistas teriam tentado o suicídio.

A má fase dos tabloides não para por aí. Em 2012, Dominic Mohan, então editor do Sun, apareceu diante do inquérito Leveson pedindo por um “jogo justo” entre a imprensa e a internet, porque esta poderia “potencialmente destruir a indústria da imprensa que já estava ferida”. Mohan sabia que seu jornal não estava só competindo com os outros tabloides impressos, mas com uma série de sites dos Estados Unidos livres de regulação, como Buzzfeed e Gawker. Este mês, o Mirror Group e o Daily Star anunciaram reformulações em seus sites para poder competir com os sites.

Disputa

Os tabloides, no entanto, não questionam sua necessidade de se segurar a um modelo de negócios que depende da flexibilidade na definição de interesse público e de invasão de privacidade. É esta a principal razão para a atual disputa entre partidos políticos acompanhados do grupo Hacked Off e a maioria dos jornais para decidir a estrutura do novo órgão regulador de imprensa do Reino Unido.

As mesmas propostas aparecem em 90% do conteúdo das duas versões: o regulador será mais forte que a atual Comissão para Reclamações sobre a Imprensa (PCC), oferecerá serviço de arbitragem, cobrará multas de até um milhão de libras e investigará violações. No entanto, existem divergências sobre o direito do parlamento de mudar a estrutura do órgão, o poder do corpo financiador, se existirá ou não um sistema de julgamento no serviço de arbitragem, e qual será a margem de manobra para publicações contestarem investigações. Mas o argumento principal é sobre o comitê do Código de Editores, que elaborará regras éticas em que a imprensa deve operar. A imprensa quer que seus editores sejam maioria no comitê.

Os planos da imprensa são propagandeados como finais e condenados pelo diretor do Hacked Off, Brian Cathcart, por repetirem “um padrão de reformas cosméticas”. A organização Hacked Off é abertamente apoiada pelo ator Hugh Grant e pela rica editora da revista New Statesman, Jemima Khan, mas é constantemente acusada de não divulgar a origem da maioria de seus fundos. O grupo diz que seus financiadores temem ser vitimizados e por isso seus nomes são mantidos em segredo e conhecidos somente por um de seus membros.

O professor Steve Barnett, também membro do Hacked Off e um dos mais proeminentes acadêmicos envolvidos no debate, afirma que a “versão da imprensa é um argumento para o menor denominador comum. Se o comitê do Código de Editores for dominado por editores, irá voltar a mesma posição de antes. Argumentar que os tabloides são ameaçados pelos sites de fofoca é dissimulado. Estes sites possuem poucos leitores no Reino Unido, não têm a capacidade da imprensa nem o poder de prejudicar pessoas comuns presas em uma tempestade midiática”.

O relatório Leveson sobre a ética jornalística foi publicado em novembro do ano passado, quando parecia que a opinião pública exigia uma regulação punitiva e intervencionista para limpar a imprensa britânica. Os tabloides estavam com o pé atrás. Não estão mais.

Desafios

Seus defensores dizem que em setembro começará uma série de julgamentos de executivos da imprensa, editores e repórteres acusados de corrupção, grampos ilegais e outras violações. Julgamentos que mostram que a lei, em vez da regulação draconiana, pode lidar com violações éticas.

Se o órgão regulador for acordado, será aberto um desafio legal. Grandes prejuízos seriam levados à Corte de Direitos Humanos de Estrasburgo. O veterano advogado de direitos civis Lord Lester disse no mês passado que seria “inaceitável se [o governo] regulasse as profissões médicas e legais, e é inaceitável que regule a profissão jornalística, que já é sujeita a várias leis e sanções”.

Há ainda a questão financeira. Em qualquer versão do órgão regulador, ele será muito mais caro que o atual PCC. Espera-se que seja financiado pela imprensa. Os jornais que não acreditam contribuir com o problema, especialmente os regionais, não querem contribuir financeiramente.

Outra questão que surge sobre o inquérito e seus resultados é a irrelevância: procuram regular uma cultura morta. O professor de jornalismo e colunista do Guardian Roy Greenslade acredita que os tabloides devem sobreviver por uma década, mas não mais que isso. “Os tabloides ainda são bons em cobrir escândalos. As pessoas ainda vão lê-los por um tempo, mas os sites noticiam primeiro”.

O que parece um simples embate por controle é, mais uma vez, uma discussão que acontece há dois séculos entre dois grandes princípios: a liberdade de publicação e o direito à privacidade. Não chegará a um fim em breve, nem nunca, sentencia John Lloyd em artigo no Financial Times.