Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O conflito intrínseco ao cargo de ombudsman do ‘NYT’

O trabalho de Margaret Sullivan consiste em pegar no pé de seus colegas, quando necessário, mas a mesa de trabalho dela fica na mesma redação deles e ela é empregada pelo mesmo jornal, o que cria um conflito de interesses intrínseco.

Margaret Sullivan, a ombudsman do New York Times, é a quinta pessoa a ocupar o cargo desde que este foi criado, em 2003, depois de uma controvérsia que surgiu após as reportagens fraudulentas de Jayson Blair. Numa mensagem recente em seu blog [veja aquiem português], Margaret Sullivan escreveu sobre seu primeiro ano no cargo e disse que, embora considere que poderia ter feito algumas coisas de outra maneira, achava que merecia aprovação.

Mas foi outra mensagem – em resposta à queixa de um leitor por e-mail – que trouxe algumas questões interessantes sobre a natureza de seu trabalho e se é possível a alguém ser realmente justo com ele. O leitor ressaltava que a posição do ombudsman contém um conflito óbvio: embora a tarefa seja a de ser crítica à redação do New York Times – quando esta merece ser criticada –, Margaret Sullivan faz parte dessa mesma redação e, embora não preste contas ao editor-chefe (em última instância, ela responde diretamente ao publisher), ela é empregada pelo mesmo jornal. Nas palavras de seu leitor crítico:

“Trata-se de um conflito de interesses que independe da honestidade da pessoa nomeada ao cargo – e não estou pondo em dúvida a sua integridade ou a de seus antecessores. Mas sua humanidade não a torna menos vulnerável à síndrome de Estocolmo do que a de qualquer outra pessoa. Além disso, eu questiono, sim, se o Times, tanto enquanto um clube quanto uma empresa, escolheria, ou escolherá, um ombudsman cuja sensibilidade entre em choque com a cultura auto-importante e de bom gosto do jornal.”

O jornal precisa de um ombudsman?

Como passei mais de dez anos na redação de um diário importante, e eventualmente era crítico dos processos que ali ocorriam, estou profundamente consciente das dificuldades que Margaret Sullivan e outros ombudsmen enfrentam. A tensão entre querer ser crítico a seus colegas de trabalho e trabalhar com eles na mesma sala, além de subir e descer o elevador com eles, almoçar com eles na cafeteria etc pode ser devastadora. A própria Margaret Sullivan o descreve como “diversão e horror em partes iguais” (em primeira mão: fui convidado a participar de uma pequena lista de candidatos antes de Margaret Sullivan ser contratada, mas recusei a oferta).

Numa mensagem que escrevi antes que a nova ombudsman tomasse posse, tentei argumentar que seria melhor para o Times ter cem ombudsmen – em outras palavras, cem editores e repórteres dispostos a se envolver diretamente com os leitores (como parte dos jornalistas do NYT já faz, para seu crédito) – e fazer a crítica de seu próprio trabalho. Porém, como assinalou no Twitter Richard Rushfield, ex-redator-chefe do BuzzFeed, muitos jornais tradicionais ainda estão demasiado isolados para que isso aconteça. “Se você pudesse fazer bombas que destruíssem bunkers a partir do isolamento das redações, ninguém estaria a salvo na Terra.”

No post mais recente de seu blog, Margaret Sullivan disse que, mesmo estando sujeita a um conflito de interesses, leitores como aquele que lhe enviou o e-mail ainda reconhecem sua responsabilidade. “Resumindo, quem observa o observador? Neste caso, a pergunta retórica tem uma resposta: você.” Mas se bastam os leitores para reconhecer a responsabilidade do jornal, pergunta no Twitter Gabriel Snyder, da revista The Atlantic, então para que o trabalho de ter um ombudsman? Ao que Margaret Sullivan respondeu que ter uma pessoa que o defenda dentro da redação pode ser útil: “Esse é um argumento que algumas pessoas fazem. Mas há uma vantagem, acredito, em ter alguém que responda de dentro da redação.”

Criticar os colegas é duro

Richard Rushfield também assinala outro benefício de se ter um ombudsman: boa parte da equipe editorial dos jornais recusa-se a levar as críticas a sério a menos que apareçam em suas páginas, escritas por seus próprios colegas (e, assim mesmo, supostamente alguns fazem o possível para ignorá-las), e que um editor possa ficar “fisicamente em frente de suas mesas”. Alex Parker, repórter da Bloomberg, também destacou que é mais provável que a equipe coopere com um ombudsman, acreditando que isso tenha sido solicitado. Porém, como disse Gabriel Snyder, essa conexão funciona nos dois sentidos:

“A conclusão é que ombudsmen como Margaret Sullivan ficam num inevitável beco sem saída: se não se esforçarem por ser críticos em relação a seus colegas, podem ser acusados de negligência para com seus deveres e serão vistos pelos leitores como aduladores de seus superiores – ou vítimas da síndrome de Estocolmo, ou aceitar cegamente os fatos sem questionar etc. Mas se forem demasiado críticos, correm o risco de se distanciar por completo de seus colegas, o que não só tornará suas vidas infelizes, mas também tornará menos provável que as críticas sejam eficazes em seus trabalhos.”

Em minha opinião, Margaret Sullivan fez um trabalho maravilhoso. Suas críticas foram justas – sem dar demasiada atenção a detalhes desimportantes – e, pelo que pude avaliar, trabalhou com energia e tenacidade. Até o New York Times se tornar tão transparente e envolvido com os leitores que não precisa mais de um ombudsman, Margaret Sullivan é a melhor candidata que eu poderia imaginar.

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Mathew Ingram é jornalista e redator do site GigaOm