Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalistas na Índia ainda sofrem com assédio sexual

Cada vez mais jornalistas mulheres na Índia estão denunciando a violência e o assédio sexual que sofrem enquanto trabalham. O assunto não é muito discutido nas redações, pois em geral as repórteres temem correr o risco de perder uma pauta. A gota d’água foi o estupro coletivo de uma fotojornalista de 22 anos em Mumbai, no mês passado.

Já se passaram 17 anos desde que Suhasini Haidar cobriu as eleições presidenciais da Índia, então para a CNN, mas até hoje ela lembra de como foi apalpada na multidão. Suhasini, hoje editora da CNN-IBN, também não se esquece que, há 20 anos, custou a entrevistar um político, quando enfim ele lhe chamou para sua casa. Ao chegar lá, a repórter encontrou o político sozinho – e ele começou a lhe fazer perguntas íntimas, ligando para ela diversas vezes depois. Na ocasião, ela não contou a história a ninguém, com medo de perder o emprego.

Na opinião de Ashima Narain, editora de fotografia da National Geographic Traveler, é hora de não se envergonhar de falar sobre o medo – que é o que mantém as mulheres alertas. Muitas mulheres não gostam de falar sobre o medo que sentem no trabalho por acreditar que isso exporia uma fraqueza.

Suhasini afirma ser urgente que empresas de mídia forneçam segurança a suas funcionárias, por “correrem riscos calculados”. “Para os nossos trabalhos, precisamos ir a lugares inseguros”, diz Nazia Sayed, que cobre crimes para o Mumbai Mirror e costuma avisar a delegacia mais próxima quando trabalha até tarde. Recentemente, depois de escrever sobre um assassinato, ela estava em um trem voltando para casa depois da meia noite quando seis homens entraram no vagão destinado a mulheres. Sem policial por perto, ela pediu que eles se retirassem – sem sucesso. A jornalista então ligou para a delegacia mais próxima, que mandou policiais imediatamente. Nazia não contou o que se passou a seu editor.

A sensação de insegurança nos trens é compartilhada com outras mulheres. A fotógrafa freelancer Shriya Patil Shinde geralmente carrega spray de pimenta, pois esbarra com frequência em drogados e bêbados quando anda tarde da noite com seu equipamento caro. Seu marido também é fotojornalista e o casal tenta trabalhar sempre na mesma pauta. Em 2005, ela cobria a première do filme Mangal Pandey, do ator de Bollywood Aamir Khan. Na multidão, Shriya segurava a câmera no alto quando um homem tentou agarrá-la. Ela gritou, mas ninguém a ouviu. A fotógrafou usou então a câmera para bater no agressor, que fugiu.

Os problemas não são restritos a áreas urbanas. Nas zonas rurais, as dificuldades são outras. Anumeha Yadav, correspondente doHindu Newspaper, escreveu ao longo do último ano matérias no estado de Jharkhand, que é propenso à violência por rebeldes maoístas e também um dos mais economicamente atrasados do país. Ela geralmente toma cuidado quando viaja à noite, por temer ser roubada. Quando está trabalhando, costuma ter a companhia de um fotógrafo homem – também vulnerável a ataques. “Por ser mulher, a possibilidade de estupro me vem à mente”, revela.

Desafios

Há algumas décadas, jornalistas mulheres na Índia não podiam nem deixar a redação. Nos anos 40 e 50, o jornalismo no país era para homens – eram exceção as mulheres que escreviam colunas ou trabalhavam nas edições de final de semana, mas estas nunca eram enviadas a campo.

A primeira mulher a quebrar a tradição foi a legendária fotógrafa Homai Vyarawalla, que morreu no ano passado. Ela começou sua carreira nos anos 30, cobrindo grandes eventos políticos e personalidades – chegando a fotografar alguns eventos na Segunda Guerra Mundial com seu marido, também fotógrafo.

Usha Rai, que trabalha na mídia impressa indiana há 37 anos, fez parte da geração de mulheres jornalistas que cobria eventos de moda. Ela e suas colegas lutaram para provar sua competência. Prabha Dutt, sua contemporânea, foi a primeira mulher a cobrir uma guerra na Índia. Usha relembra que seus editores não queriam enviá-la a campo – o que não a impediu de cobrir a segunda guerra que a Índia lutou contra o Paquistão em 1965. Suas primeiras matérias foram ignoradas por seus editores no Hindustan Times, mas aos poucos acabaram sendo publicadas.

O crescimento de escolas de jornalismo nos anos 60 e as mudanças sociais no país ajudaram as mulheres a se tornar mais visíveis na profissão e deixar sua marca nos jornais e revistas ao longo dos anos. A batalha enfrentada por Prabha de não ser mandada para campo pode parecer antiga na Índia contemporânea. Hoje, um dos principais desafios das jornalistas é o combate ao assédio sexual.