Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Intimidação a jornalistas ameaça liberdade de imprensa

Ao criticar em sua página no Facebook um livro escrito pelo governador Abdul Basir Salangi, alegando que ele havia elogiado exageradamente um chefe militar islâmico extremamente violento, o repórter afegão Nasratullah Iqbal até pensou que poderia sofrer retaliações online. Não imaginou, no entanto, que poderia ser agredido fisicamente. O próprio Salangi e seus guarda-costas socaram o rosto do jornalista e deram-lhe coronhadas em um restaurante em Cabul, em julho. “Ele me disse: ‘se eu te matar agora pelo que você escreveu, o que eu direi a seu pai quando ele aparecer na minha casa?’”, conta Iqbal, que é repórter da agência de notícias Bokhdi e geralmente usa o Facebook como plataforma jornalística, como fazem muitos profissionais de imprensa no país.

Já Salangi nega que estivesse pessoalmente envolvido na agressão. “Foi um mal entendido. Eu não briguei. Outros brigaram”, defendeu-se o político. Mesmo com um vídeo gravado mostrando Iqbal ensanguentado, a polícia local alegou que só estava ciente de agressão verbal e nenhuma acusação foi aberta.

O caso de Iqbal está entre os mais de 60 episódios de intimidação ou violência contra jornalistas afegãos registrados apenas este ano. O número assusta: é mais que o dobro do mesmo período no ano anterior, segundo a Nai, organização de apoio à liberdade da imprensa fundada pelos EUA e com sede em Cabul.

Estes números reforçam que a liberdade de imprensa – que era considerada uma das conquistas tangíveis do longo envolvimento internacional no no Afeganistão – está diminuindo rapidamente no país. O governo americano gastou US$ 166 milhões ao longo da última década para apoiar o desenvolvimento da mídia no Afeganistão e atualmente existem centenas de emissoras de rádio, TV e jornais.

A ajuda financeira, no entanto, vem diminuindo na medida em que as tropas da coalizão preparam-se para deixar o país até o final de 2014. Os EUA estão cientes dos problemas que a mídia afegã enfrenta. “Até mesmo um ato de violência contra jornalistas é uma preocupação para nós”, afirmou Masha Hamilton, porta-voz da embaixada americana em Cabul. De acordo com a Nai, a maior parte da violência é cometida pelo governo e por oficiais de segurança, seguidos por insurgentes talibãs e pessoas desconhecidas.

Pressão e autocensura

O ministro da Cultura e da Informação, Sayed Makhdoom Raheen,que ajuda jornalistas que enfrentam ameaças, alertou que jornalistas afegãos devem evitar “insultar” as pessoas sobre as quais escrevem. “Infelizmente, nossa mídia não presta atenção a esse ponto muito importante. Muitas pessoas reclamam, e por isso o Parlamento está furioso comigo”, disse ele, explicando que muitos parlamentares o acusaram de não fazer o suficiente para responsabilizar os meios de comunicação. Com ameaças e tentativas de intimidar a mídia, a autocensura é comum e muitos jornalistas afegãos publicam artigos sob pseudônimo.

Em junho, o procurador-geral informou ao editor-chefe do jornal Mandegar, Nazari Paryani, que ele havia sido condenado a dois anos e meio de prisão. Detalhe: por artigos nunca publicados. Paryani não foi informado oficialmente das acusações; o jornal continua a ser publicado e o editor está livre, pois pagou fiança e aguarda em liberdade o resultado de sua apelação. Mas há um mandado de prisão pendente contra ele, que está sob investigação pela cobertura do jornal sobre suposta corrupção do governo e fraude durante a reeleição do presidente Hamid Karzai, em 2009. Essa não é a primeira vez que o Mandegar enfrenta problemas desse tipo. Em um artigo recente, o repórter Azizolrahman Sakhizadeh escreveu que “supostamente” havia corrupção em um escritório anticorrupção do governo. Resultado: 10 dias de prisão em julho passado.

Enquanto o Talibã afegão tenta se mostrar como defensor de uma imprensa livre, em abril o grupo assumiu responsabilidade pela tentativa de assassinato de Ali Asghar Yaqubi, repórter de rádio com base na cidade de Herat. A mídia ocidental, por sua vez, não vem defendendo suficientemente uma mídia livre, reclamou Najib Sharifi, da organização não-governamental Comitê para Segurança de Jornalistas do Afeganistão.