Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O que a NSA e as redes sociais têm em comum

Nos últimos meses, escreveu-se muito sobre se o armazenamento de registros telefônicos anônimos autorizado pela Agência Nacional de Segurança (NSA) deveria ser restrito, sob a alegação de que seria demasiado invasivo da privacidade dos cidadãos norte-americanos. A controvérsia continua, embora os registros sejam feitos por companhias telefônicas comerciais e contenham apenas a informação referente ao tempo das chamadas (que muitos tribunais trataram como merecendo apenas a mínima proteção legal). Além disso, o acesso a eles é estritamente limitado.

Portanto, chamam a atenção duas recentes matérias que ilustram uma ameaça à privacidade muito menos discutida e que nós, enquanto sociedade, nos impomos. Na semana passada, um passageiro de um trem de alta velocidade decidiu registrar no Twitter, em tempo real, o resumo de uma conversa telefônica que ouviu do general Michael Hayden, ex-diretor da NSA e da CIA (e atualmente sócio da minha empresa). No mesmo dia, foi publicada uma foto do secretário de Justiça do estado de Maryland, Douglas Gansler, numa festa de verão, na qual estava cercado por jovens menores de idade que aparentemente consumiam bebida alcoólica.

É claro que a deliciosa ironia é evidente: num caso, o ex-chefe da NSA torna-se vítima de um grampo telefônico; no outro, um político que critica o consumo de álcool por menores deixa de intervir quando está cercado por pessoas que o fazem. Mas as duas matérias implicam algo mais preocupante. A onipresença de aparelhos de gravação – juntamente com a capacidade que todo mundo tem de divulgar algo através do Twitter, do YouTube ou de outras plataformas digitais – significa que praticamente qualquer ato ou frase pronunciada fora dos limites de uma residência (ou, no caso de Gansler, numa casa particular) está sujeito a ser maciçamente divulgado. E, como esses veículos evitam qualquer revisão editorial, não há garantia alguma de que o que for divulgado tenha contexto ou valor jornalístico.

Uma sociedade de delatores?

Para onde isso nos leva? Se uma pessoa conhecida tem uma discussão com a esposa ou com o filho num restaurante, isso deveria ser divulgado? Se um empresário importante manifesta uma opinião política numa festa particular, deveria essa opinião (ou uma versão distorcida dela) ser repassada ao resto do mundo? Se um político compra um livro ou uma revista num aeroporto, deveria uma pessoa que está passando por ali informar todo mundo?

Houve exageros ao se considerar se a comunidade de inteligência do governo podia criar um Estado policial. Mas o verdadeiro horror da Stasi, da Alemanha Oriental, ou da Guarda Vermelha maoísta, era o incentivo aos delatores – cidadãos particulares dedurando outros cidadãos particulares e até membros da família. Nenhuma agência policial poderia ser onisciente. A opressão nesses Estados policiais vinha do medo que tinha cada cidadão de que um outro cidadão divulgasse desvios da linha do partido.

Essa é a questão relevante: estamos criando uma sociedade de delatores, em que toda a conversa entreouvida, fotografia de celular ou outro registro de comportamento pessoal é transmitido não à polícia, mas ao mundo lá fora? Queremos intimidar o comportamento e o discurso pelo medo de que um comentário impopular ou um escorregão provoque críticas injuriosas ou talvez mesmo afete negativamente carreiras ou reputações? Precisamos policiar-nos constantemente sobre o que dizemos em restaurantes, em eventos esportivos, nos passeios públicos ou em festas particulares?

Isto vale uma conversa pelo menos tão enérgica quanto o debate sobre a coleta de números de telefone pelo governo tanto no plano nacional, quanto global. E esse debate precisa ser não só sobre nossa cultura, como sobre nossas leis.

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Michael Chertoff foi secretário de Segurança Interna de 2005 a 2009. Ele é cofundador e presidente do grupo Chertoff, uma empresa de consultoria sobre segurança global e gerenciamento de riscos