Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Governo tenta reprimir atuação da imprensa

Uma nova lei no Quênia ameaça impor duras penas a jornalistas por artigos considerados nocivos às autoridades. O clima político no país é alarmante. O governo há muito tenta reprimir a mídia local, mas a imprensa queniana independente continua a ser uma das mais barulhentas do continente africano. Agora, isso pode mudar.

Parlamentares aprovaram uma lei que criará um tribunal para a mídia capaz de impor multas equivalentes a mais de 500 mil reais, confiscar bens e proibir jornalistas de trabalhar. A legislação, considerada uma das mais repressivas desde a independência do Quênia em 1963, também aumentará o controle sobre emissoras de rádio e TV e restringirá a publicidade de empresas estrangeiras. Outro projeto de lei quer regular organizações sem fins lucrativos e diminuir o acesso a financiamento estrangeiro.

Críticos dizem que as medidas, se sancionadas pelo presidente Uhru Kenyatta, poderiam retornar o Quênia aos dias ditatoriais dos anos 70 e 80. A proposta surge com o aumento de críticas da mídia à resposta do governo ao ataque terrorista em um shopping, em setembro, orquestrado pela mílicia al-Shabab e que deixou 60 mortos.

Críticos também dizem que o governo se tornou hostil à mídia por ela apoiar o julgamento de Kenyatta na Corte Internacional de Haia. Ele é acusado de orquestrar e financiar milícias para matar e saquear durante as eleições de 2007.

Desafios da imprensa africana

Autoridadesdo governo queniano negam as acusações. Mas, para jornalistas e ativistas, as medidas são o último sinal dos desafios enfrentados pelos jornalistas africanos. Apenas quatro países na África Subsaariana possuem uma mídia inteiramente livre, de acordo com o mais recente índice de liberdade de imprensa publicado pelo grupo Freedom House: Cabo Verde, Gana, Maurício e São Tomé e Príncipe. A Guiné Equatorial e a Eritreia estão entre os oito países mais repressivos do mundo.

Na Etiópia, jornalistas são presos acusados de terrorismo. No Mali, tradicionalmente um país com imprensa livre, a repressão aumentou no último ano. No Burundi, os jornalistas que publicam assuntos sobre a segurança nacional podem receber multas de quase 15 mil reais – os profissionais do país recebem cerca de 235 reais por mês.

A Tanzânia também tentou recentemente apertar a sua já severa lei de mídia para aumentar as multas e impor sentenças de até três anos de prisão para jornalistas que publicam material sedicioso. No último mês, o governo suspendeu duas publicações pela divulgação de “artigos hostis” que incitavam o povo “a perder a confiança nas instituições estatais”.

Liberdade dentro dos limites

“Quanto mais forte se torna a imprensa no leste africano, quanto mais independente e crítico se torna o jornalismo, cada vez mais as autoridades irão usar a lei para reverter estes avanços”, diz Tom Rhodes, representante do leste africano no Comitê para a Proteção dos Jornalistas.

Rhodes aponta que os jornalistas quenianos e grupos da socidedade civil lutaram para a criação de uma mídia independente nos anos 90 e conseguiram grandes vitórias no início dos anos 2000. Se a proposta de lei for sancionada, as penas irão fechar diversas estações de rádio de pequeno porte, assim como vários jornais. Muitos jornalistas irão se auto-censurar ou deixar a profissão.

No Quênia, parlamentares declararam que a liberdade de imprensa precisa operar dentro dos limites. Jamleck Kamau, que propôs a lei, insistiu para que o presidente sancionasse a lei.

Apesar disso, a mídia do país está lutando. Em suas primeiras páginas, os jornais atacaram as medidas. Uma das publicações mais respeitadas declarou que a lei “coloca o país no mesmo nível que o Zimbábue, Cuba, Etiópia e Kuwait” e quer levar o Quênia “por um caminho regressivo à era das trevas”.