Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mãe de vítima pede que imprensa não cite nomes de criminosos

Caren Teves quer que vocês, jornalistas, lembrem-se de seu filho Alex, de 24 anos, da próxima vez que escreverem uma matéria sobre uma matança. Alex foi uma das onze pessoas assassinadas quando um pistoleiro abriu fogo num cinema em Aurora, estado do Colorado, no dia 20 de julho de 2012.

Ela quer que vocês sintam-se à vontade para citar seu filho, usarem sua foto, se quiserem. Mas pede aos jornalistas que não citem o nome do acusado, nem usem suas fotos repetidamente. Caren Teves e a organização a que ela pertence, Moms Demand Action for Gun Sense in America, não estão pedindo uma proibição de que sejam usadas as fotos ou o nome. Ela disse-me: “Se você está fazendo um jornalismo sério e se o nome ou a imagem são realmente importantes para a matéria, então é claro que você deve usá-los. Mas quando vejo diariamente as imagens desses criminosos, e vejo ou ouço seus nomes, parece-me que estão sendo usados para provocar reações de indignação ou para aumentar o número de cliques de quem está lendo a matéria.”

Caren Teves diz que está constantemente em contato com outras famílias que sofreram tragédias maciças no país. Essas famílias lançaram uma campanha no sentido de tentar convencer as redes de televisão a recuarem em relação ao uso dos nomes e fotos de assassinos em massa. “Essas famílias falam sobre a dor que causa o uso repetitivo dos nomes e fotos dos assassinos. É uma questão importante.”

Tiroteios recorrentes

Além da dor, a cobertura jornalística de crimes que deliberadamente ganham publicidade contribui para celebrizar o assassino, e as celebridades produzem seguidores. Investigadores descobriram que o atirador que matou as crianças na escola Sandy Hook, em Newtown, estado de Connecticut, mantinha registros pormenorizados de matanças. Ele se preocupava com os assassinatos na escola Columbine, no estado de Colorado. E não é o único. Ao redor do mundo, assassinos e possíveis assassinos disseram que queriam cometer uma ação do tipo daquela de Columbine. Outros casos que ganharam publicidade envolvem seguidores da matança em Columbine que tiraram suas próprias vidas em solidariedade aos matadores de Columbine.

Depois da matança no cinema de Aurora, onde morreu o filho de Caren Teves, a polícia destacou três casos específicos em que os imitadores mencionavam diretamente o tiroteio do cinema enquanto ameaçavam com outros mais. O jornal Denver Post disse que depois do tiroteio na escola Columbine ocorreram pelo menos três mil casos de ameaças de imitação em escolas de ensino médio em todo o país. E o homem responsável pelo tiroteio na Faculdade de Tecnologia da Virgínia comparou a si próprio com aqueles a quem chamou de “mártires” de Columbine.

Certa vez, o Washington Post destacou que “o suicídio de Marilyn Monroe em 1962 supostamente disparou uma onda de suicídios entre mulheres jovens”. Tiroteios por trabalhadores descontentes dos Correios na década de 1980 tornaram-se tão corriqueiros que a gíria going postal [enlouquecer] entrou para a linguagem comum. Os franco-atiradores que aterrorizaram a região de Washington em 2002 podem ter tido imitadores pouco depois nos estados de Ohio e Flórida, assim como na Grã-Bretanha e na Espanha.

Dever do jornalista

Não responsabilizo jornalistas por esses casos de imitações, mas temos que estar conscientes de que casos de grande repercussão às vezes inspiram a repetição de ações. Apesar do bombardeio de notícias que se seguiu, não aumentaram os ataques a políticos após Gabrielle Giffords ter sido baleada. Não é correto achar que a repercussão sempre causa mais crimes.

Numa tentativa de fazer algo para por um fim a assassinatos sem qualquer sentido, peritos bem-intencionados chegam a sugerir que os jornalistas não divulguem os nomes de suspeitos em casos de tiroteios em massa por semanas após uma morte. Acham que os jornalistas não deveriam divulgar fatos específicos sobre o tiroteio ou fotos do suspeito. Na mesma linha de raciocínio, dizem que os jornalistas não deveriam divulgar os possíveis motivos para os tiroteios.

Não concordo. Traçar uma linha separando o noticiário jornalístico e ações homicidas é muito simplista. Uma coisa não leva necessariamente a outra sem acrescentar outros ingredientes complicados, como doenças mentais, dependência de drogas e acesso fácil a armas.

Entendo a linha de raciocínio segundo a qual segurar detalhes de informação sobre uma terrível matança poupa as famílias de mais dor. É claro que as famílias das vítimas são a parte interessada, no caso de acontecimentos trágicos. E não são a única parte interessada. Os trabalhadores de emergências, as comunidades e, por que não, o próprio país, participam desses horríveis acontecimentos. Cabe aos jornalistas descobrir e divulgar quem cometeu a ação, quem sabia da ação e quem a tornou possível, assim como descobrir possibilidade de evitá-la.

Entre o anonimato e a celebridade

Depois dos ataques do 11 de setembro, ficou claro que a nação precisava saber o nome dos atacantes e de seus apoiadores. Precisávamos saber como eles haviam passado pela segurança dos aeroportos e como solucionar esse problema. Como destacou o Washington Post, a extensa reportagem sobre o homem responsável pelo tiroteio na Faculdade de Tecnologia da Virgínia “ajudou a expor falhas no sistema de saúde mental do estado da Virgínia, exigindo reformas”. E o Post também disse que uma extensa reportagem sobre o tiroteio na escola Columbine exigiu que fosse dada uma nova atenção aos adolescentes desajustados.

O problema que tenho com a campanha de Caren Teves tem a ver com as palavras específicas que ela usa. A campanha pede aos jornalistas que acatem as seguintes solicitações:

** Não use o nome do atirador, exceto quando for necessário numa identificação inicial ou para ajudar na detenção de um suspeito ainda em liberdade;

** Não publique fotos que tornem o atirador atraente ou engrandecido;

** Não divulgue declarações de autopromoção feitas pelo atirador.

As solicitações são muito amplas. Quando o atirador é o foco do desenvolvimento concreto da notícia, como num julgamento, ou se a polícia descobre novas pistas sobre como o crime foi cometido, é claro que os jornalistas devem usar o nome do suspeito. É uma questão de clareza. E se múltiplos suspeitos estiverem envolvidos, como no caso das bombas de Boston? O pessoal que faz a campanha ficaria mais satisfeito se os jornalistas chamassem os suspeitos de bombardeador nº 1 e bombardeador nº 2? A coisa é muito confusa e jornalistas não trabalham com questões de clareza. Mas, olhando por outro lado, acho que as reportagens, abertamente dramáticas, sobre os bandidos da Era da Depressão combinavam com nomes chamativos para as manchetes, como “Machine Gun Kelly”, que o transformou num nome familiar. Deveríamos procurar um elemento que se encontra em algum lugar entre o anonimato e a celebridade.

Ética imaginária

Para uma foto tornar atraente ou engrandecer um matador, isso está no olho do espectador. Um dos casos mais debatidos de fotos autopromocionais envolveu o atirador da Faculdade de Tecnologia da Virgínia, que enviou à rede NBC um vídeo e fotos suas, posando com armas. Os jornalistas discutiam se deviam mostrar as fotos, quantas deveriam ser divulgadas e por quanto tempo. Mesmo fotos posadas, como essas do atirador da Virgínia, podem nos dar uma percepção da desfaçatez e da raiva do matador. Alguns criminosos dispensam a publicidade. Bonnie e Clyde fizeram manchetes e construíram sua lenda assaltando com armas. Tão prejudiciais quanto as fotos podem ser os adjetivos com que os jornalistas se referem a supostos matadores – como “misterioso”, “implacável” ou “tenebroso”. Os jornalistas usam repetidamente a foto do assassino do cinema de Aurora com um cabelo estranhamente colorido, aumentando sua aura de celebridade.

Há décadas que os jornalistas se perguntam o que devem fazer em casos de declarações egoístas de suspeitos de um crime. Em 1995, o terrorista conhecido como Unabomber ameaçou continuar seus ataques à bomba a menos que a mídia nacional publicasse seu manifesto de 35 mil palavras contra a ciência e a tecnologia. O New York Times e o Washington Post publicaram. Constantemente, os jornalistas tiveram que tomar decisões no que se refere a divulgar ou não as declarações divulgadas por Osama bin Laden para cuspir suas ideias. E, no entanto, os desvarios dos assassinos de Abraham Lincoln e John Kennedy proporcionam pistas para entender os motivos dessas pessoas.

A tensão fica sempre entre a pressão do noticiário jornalístico e a vontade de não querer recompensar terroristas com publicidade. A decisão segura talvez seja alegar uma postura ética imaginária dizendo que terroristas ou assassinos não terão a divulgação que solicitam. Parece bom. Mas tenho pavor do dia em que os jornalistas fiquem tímidos em relação a divulgar uma verdade importante apenas para parecerem sensíveis e evitar críticas.

Deveres jornalísticos

Caren Teves disse-me: “Sinto a dor pela perda de Alex todos os dias.” Embora tenhamos discordâncias sobre os detalhes de sua proposta por uma maior sensibilidade por parte da mídia na cobertura de tragédias em massa, acho que ela pede uma coisa razoável; pede que os jornalistas levem em conta, com mais cuidado, a maneira pela qual divulgam as notícias.

Nesta matéria, tentei respeitar seus desejos. Escrevi toda a matéria sem citar o nome de um matador em série recente. Poderíamos ter decorado a matéria com fotos de arquivo do homem que matou seu filho, mas isso não atenderia a qualquer objetivo jornalístico. Antes de falar com Caren Teves, eu teria incluído, sem dúvida, os nomes de muitos dos matadores citados neste artigo. Entretanto, ao cumprir com sua solicitação não acho que tenha comprometido de forma significativa qualquer verdade ou clareza importante.

Por isso, tentei criar minha própria versão de sua solicitação para os resultados gerais que ela deseja sem abrir mão de alguns deveres jornalísticos importantes:

** Os jornalistas deveriam levar em consideração como a cobertura que fazem irá afetar as vítimas e suas famílias. A primeira obrigação do jornalista é procurar a verdade e divulgá-la da maneira mais completa que puder, embora procurando meios de minimizar o prejuízo que essa cobertura irá provocar.

** Os jornalistas deveriam evitar o uso repetitivo e injustificável de imagens que possam tornar atraentes criminosos e suas ações. Os jornalistas deveriam evitar usar termos ou apelidos para criminosos que minimizem o prejuízo que eles causaram.

** Também não cabe ao jornalista vilipendiar um suspeito que não foi condenado. Deve ter o cuidado de usar imagens de suspeitos que sejam o mais atuais possíveis. Deve prestar uma atenção especial aos adjetivos que usa para descrever o suspeito, restringindo-se a adjetivos factuais objetivos, e não adjetivos subjetivos criados por opiniões.

** Deve tomar cuidados especiais ao decidir se vai transmitir ou publicar declarações pessoais do criminoso, especialmente se o acusado tenta culpar outros por suas ações. Deve ser particularmente prudente no que se refere a permitir que o acusado nomeie outras pessoas como culpadas. Se o jornalista publicar/transmitir essas declarações, deve tentar inseri-las no contexto, testando as declarações quanto à exatidão e à verdade.

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Al Tompkins é jornalista, escritor e professor